Têm sido partilhadas nas redes sociais várias publicações onde é alegado que o presidente da Microsoft ordenou que os alimentos tradicionais sejam substituídos por alimentos geneticamente modificados. É falso que Bill Gates tenha ordenado essa mudança. A própria fundação Gates desmente a informação à agência de notícias France Press.

As declarações são atribuídas à Cimeira do Clima de África 2023, que se realizou de 4 a 6 de setembro deste ano. O evento está disponível na íntegra e é possível confirmar que essa posição não foi assumida pelo fundador da Microsoft. Gates apenas sublinhava o exemplo de práticas de uma agricultora que conheceu numa quinta do Quénia, que usava sementes e galinhas mais tolerantes ao calor.

Na publicação em causa, um utilizador considera que o presidente da empresa de tecnologia Microsoft “pensa que é o dono do planeta”, uma vez que “Bill Gates ordenou aos governos do mundo que substituíssem os alimentos reais por alimentos geneticamente modificados para combater a ‘fervura global’”. O utilizador ainda pergunta “o que é que este terrorista global ainda está a fazer à solta no mundo”.

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O texto é acompanhado de uma imagem de um artigo que não tem qualquer identificação de um órgão de comunicação social e tem a data de 24 de novembro. Numa pesquisa, percebemos que o artigo original ainda está disponível e pertence ao site “People’s Voice” — que anteriormente já publicou textos de desinformação sobre o Fórum Económico Mundial e a Covid-19.

O autor do artigo escreve que Gates deu um discurso na Cimeira do Clima de África, onde promoveu o uso de sementes e galinhas geneticamente modificadas. Além desta informação, o artigo apenas descreve que Bill Gates apontou que o uso destes alimentos modificados iriam beneficiar os africanos e ajudariam a salvar o planeta. A afirmação é mal citada e, por isso, incorreta.

As declarações podem ser vistas no vídeo oficial a partir do minuto 2:41:47, disponível no YouTube. Numa participação em vídeo, e numa declaração de quatro minutos, Gates começa por apontar que está envolvido em temas do clima “há mais de duas décadas”, num trabalho em que tenta “lutar contra a pobreza e as doenças”.

O presidente da Microsoft explica que “África precisa de muita energia para desenvolver as suas economias” e acrescenta que é “fantástico que os investigadores africanos e empresas estejam a pensar sobre como reduzir as suas emissões, continuando a fazer crescer a sua economia”. Neste ponto, Bill Gates conta a sua experiência numa quinta no Quénia: “Eles estavam a passar por uma seca. E falei com Mary, a agricultora, sobre como as novas sementes e abordagens estavam a ajudá-la. Ela tinha sementes tolerantes à seca, que fizeram uma grande diferença. Também tinha galinhas que foram criadas de maneira a que fossem mais tolerantes ao calor.”

Gates conclui: “Por causa desses novos instrumentos, que a estavam a tornar mais forte, ela esperava bons resultados, apesar dos difíceis desafios climáticos que ela enfrenta.” Bill Gates frisa que este é apenas um exemplo de que “melhores instrumentos” permitem aos agricultores fazer coisas novas. Outro exemplos são fertilizantes inovadores como um caminho de investimento na inovação e adaptação climática — além da mitigação.

Assim, as declarações verdadeiras de Bill Gates, na Cimeira do Clima de África, a 5 de setembro de 2023, em Nairóbi, permitem afirmar que as alegações são falsas. O tema do evento, como aponta a France Press, era “Impulsionar o crescimento verde e as soluções de financiamento climático para a África e para o mundo”, e, por isso, foram discutidas soluções sustentáveis para os desafios climáticos do mundo.

Tal como foi noticiado pelo Observador, era esperado que, no final da cimeira, em que participam mais de vinte chefes de Estado e de Governo africanos, bem como líderes de organizações internacionais, fosse adotada a chamada “Declaração de Nairobi”. De facto, esse passo foi dado, numa tentativa de articular uma posição africana comum a levar a diferentes fóruns mundiais.

Um porta-voz da Fundação Bill & Melinda Gates confirma à AFP, por e-mail, que a alegação é falsa. O Observador pediu esclarecimentos ao organismo, mas não obteve resposta até à publicação deste fact check.

Além disso, o presidente da Microsoft não teria o poder de introduzir as mudanças e dar as ordens que lhe são imputadas, já que não é legislador de um país nem de uma organização mundial. No máximo, Bill Gates podia fazer a recomendação e o incentivo ao uso de novas tecnologias, mas não foi o caso.

Conclusão

Bill Gates não ordenou a substituição de “alimentos de verdade por alimentos geneticamente modificados”. No discurso que fez, apenas deu o exemplo que conheceu numa quinta em África que, para combater a seca, usa sementes e galinhas com maior tolerância ao calor.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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