“Propomos que [a] todas as mulheres que abortem no Serviço Público de Saúde, por razões que não sejam de perigo imediato para a sua saúde, cujo bebé não apresente malformações ou tenham sido vítimas de violação, devem ser retirados os ovários, como forma de retirar ao Estado o dever de matar recorrentemente portugueses por nascer, que não têm quem os defenda no quadro atual.” É verdade que os militantes do Chega, reunidos em Évora, no último fim de semana, foram chamados a votar uma proposta nestes termos? Sim, é verdade. E é verdade que a proposta foi chumbada? Sim, foi rejeitada por uma larga maioria dos militantes reunidos na II Convenção do partido: num universo de 254 delegados, 216 votaram contra, 38 votaram a favor.

O documento “Moção Estratégica Global para Portugal” foi submetido à votação dos delegados do Chega por Rui Roque, ex-militante do Partido Nacional Renovador (2007-2014) e do Aliança (2019), atual militante do partido de André Ventura, e foi uma das primeiras moções a ser votadas na noite de sábado, 19, poucos minutos antes de o presidente da Mesa da Convenção, Luís Graça, interromper os trabalhos para uma pausa para jantar.

Num dos muitos posts publicados nas redes sociais nas últimas horas, uma utilizadora do Twitter escrevia: “Esta proposta de retirar os ovários a mulheres que abortam foi uma moção apresentada e rejeitada pelo partido.” É verdade. Nessa votação, a meio da noite de sábado, os delegados do Chega rejeitaram, de braço no ar, a proposta de Rui Roque por uma expressiva maioria dos votos (os 216 votos contra representam, sensivelmente, 85% das pessoas que participaram na votação do documento).

Trata-se, portanto, de uma proposta sujeita à apreciação dos militantes do Chega — que foi rejeitada — e não uma posição assumida pela direção do partido ou pelos delegados do Chega durante a II Convenção. Mas o tema começou a gerar polémica horas depois de a proposta ser apresentada na reunião magna do partido, e vários utilizadores das redes sociais partilharam diversas informações erradas a este respeito.

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Uma das publicações que o Observador analisou, e que foi partilhada já esta segunda-feira de manhã, afirmava taxativamente que tinha sido “aprovada” pelos delegados do Chega uma proposta para retirar os ovários a todas as mulheres que praticassem abortos. Por um lado, como vimos, a proposta não foi aprovada. Por outro lado, a proposta completa era a seguinte: “Todas as mulheres que abortem no Serviço Público de Saúde, por razões que não sejam de perigo imediato para a sua saúde, cujo bebé não apresente malformações ou tenham sido vítimas de violação, devem ser retirados os ovários, como forma de retirar ao Estado o dever de matar recorrentemente portugueses por nascer, que não têm quem os defenda no quadro atual”.

Noutra publicação, um utilizador escreve que “o Chega assume a posição de remover os ovários à mulher que aborta por X razões”. Mas essa afirmação não é correta. O facto de um militante ter apresentado uma moção que, depois, foi submetida aos votos dos delegados, na Convenção do partido, não pode ser interpretado como uma posição oficial do partido quando esse moção acabou por ser chumbada. Isso vale para o Chega e para qualquer outra força política. A posição vincula apenas o(s) seu(s) subscritor(es) às ideias ali apresentadas. Se, depois de votada, determinada moção é rejeitada, isso significa que o órgão de decisão mais alargado do partido (a Convenção, neste caso) não se revê naquela proposta. Logo, não é uma posição oficial.

No meio de toda a polémica gerada pela “Moção Estratégica Global para Portugal”, o próprio presidente do Chega veio, também já esta segunda-feira, pedir “seriedade” a propósito deste tema. “A moção que previa ‘retirar ovários’ em casos de aborto foi apresentada por um Delegado e chumbada pelo Congresso. Chumbada! Repudiada!”, escreveu André Ventura naquela rede social. Também é verdade.

CONCLUSÃO

Não é verdade que os militantes do Chega tenham aprovado uma proposta defendendo que se retire os ovários a uma mulher que recorra ao serviço público de saúde para realizar uma interrupção voluntária da gravidez. Também não é verdade que a direção do Chega tenha defendido essa posição. É verdade, sim, que a proposta foi apresentada a votos na II Convenção e que os delegados a sufragaram. O resultado foi uma rejeição dessa proposta.

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

CERTO

NOTA: este artigo foi produzido no âmbito de uma parceria de fact-checking entre o Observador e a TVI

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