No debate deste domingo com o líder do CDS, António Costa garantiu não ter sido por questões ideológicas do Governo que os hospitais privados não receberam mais doentes Covid provenientes do SNS durante a pandemia, mas sim por falta de profissionais. O primeiro-ministro deu mesmo como exemplo o caso do Hospital da Luz que, segundo a sua versão, só pôde receber doentes Covid quando “tivemos uma equipa de médicos alemães em Portugal e que foram colocados neste hospital para servir, porque não tinham recursos humanos suficientes”. Mas não foi isso que aconteceu.

Antes ainda da chegada da equipa alemã, já os hospitais privados estavam a receber doentes Covid do Serviço Nacional de Saúde há cerca de dois meses. E, olhando só para o caso do Hospital da Luz, aquele que António Costa referiu, os dados de internamentos do dia em que chegaram os profissionais alemães mostram isso mesmo.

As instalações do Hospital da Luz de Lisboa (onde se concentrou a resposta Covid do grupo privado) tinham, à data, um total de 50 camas em unidades de Cuidados Intensivos, estando 16 delas alocadas a outras patologias e 24 a doentes Covid. O hospital tinha ainda outras dez camas para urgências, que também vieram a dar resposta a doentes com o novo coronavirus.

O que dizem os números de internamentos de Fevereiro de 2021?

Reportando ao dia 4 de fevereiro de 2021, altura em que os alemães chegaram a território nacional, o hospital da Luz estava a dar resposta com recursos próprios a 98 doentes Covid hospitalizados, 26 deles a receber cuidados intensivos. Quase metade destes doentes (12), soube o Observador junto de uma fonte da Luz Saúde, eram do Serviço Nacional de Saúde. A equipa alemã, que aterrou no dia 3 de fevereiro, só começou a tratar doentes a 8 de fevereiro, tendo passado 16 pessoas pela unidade que esses médicos ocuparam — e havendo o registo de 3 mortes.

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Recorde-se que o processo formal de auxílio alemão teve início a 25 de Janeiro, após uma solicitação por parte de Marta Temido ao Governo alemão, através da ministra da Defesa, Annegret Kramp-Karrenbauer. E já nesse mês havia doentes Covid nas unidades privadas, nomeadamente no Hospital da Luz.

Em janeiro, no dia 15, este hospital tinha um total de 9 doentes Covid em unidades de Cuidados Intensivos e 21 em enfermaria, não tendo sido possível apurar qual a percentagem, se é que havia, de utentes vindos do público. Nessa altura, o hospital respondia a esses casos com os seus recursos próprios, longe do limite definido internamente. Mas, poucos dias depois, acabou por ser anunciado um reforço da capacidade do Hospital da Luz de Lisboa para receber doentes Covid, o que foi conseguido graças ao reagendamento da atividade nas unidades periféricas. Entre o início de 2021 e o fim de janeiro, já tinham assim sido tratados mais de 300 doentes infetados com a SARS-CoV-2 — entre os do público e do privado.

Então quando é que o Hospital da Luz começou a receber doentes? Bom, depois de uma partida em falso, em março de 2020 — altura em que o Governo acabou por clarificar a possibilidade de tratamentos em unidades privadas pagos pelo SNS, quando encaminhados por instituições públicas —, o primeiro doente com o vírus que entrou na Luz através do SNS foi a 7 de dezembro de 2020 — muito antes, portanto, da chegada dos profissionais de saúde germânicos.

Recursos da Luz até deram apoio à UCI dos alemães

Segundo publicado no site da unidade de saúde privada, aquando da despedida da equipa alemã, a 25 de março de 2021, a nova unidade de Cuidados Intensivos criada nas suas instalações contou enquanto cá esteve com o apoio dos recursos humanos do hospital sempre que tal foi necessário: “Enquanto aqui estiveram, os profissionais de saúde alemães contaram permanentemente com o apoio de todos os recursos clínicos do HL Lisboa, nomeadamente das especialidades médicas de apoio à unidade de Cuidados Intensivos, da Patologia Clínica, dos exames de Imagiologia, bem com das cadeias de abastecimento de consumos clínicos e fármacos”.

Aliás, o hospital da Luz disponibilizou atendimento a grávidas com Covid e tinha inclusivamente duas camas de intensivos pediátricos, apurou o Observador junto da mesma fonte — na altura, as camas pediátricas não foram necessárias, mas mais recentemente a sua utilização tem sido mais comum.

Profissionais alemães foram para a Luz por falta de profissionais?

A ministra da Saúde, Marta Temido, explicou a 10 de fevereiro de 2021, numa audição na Comissão Parlamentar de Saúde, que se entendeu “que o mais vantajoso era que [os profissionais alemães] estivessem a trabalhar juntos e num espaço único, daí a opção que foi feita e a colaboração que também foi dada por este prestador para permitir criar essas condições”.

Dias antes, num comunicado do Governo que citava Temido aquando da receção à equipa, dava conta de que o “Hospital da Luz, em Lisboa, […] dispunha de instalações, mas não de profissionais de saúde em número suficiente”. Isto, para alargar os cuidados que já prestava então. Porque, como demonstrado, à data o grupo privado já recebia doentes Covid, incluindo do SNS. Minutos depois uma nova nota do Governo já nem refere a alegada falta de meios daquele hospital, dando apenas ênfase à colaboração que permitiu criar a unidade para os profissionais estrangeiros trabalharem.

Conclusão

António Costa recorreu ao exemplo da equipa de médicos alemães que estiveram em Portugal, numa fase crítica do combate contra a pandemia, para ilustrar que o Governo não teve preconceitos ideológicos em recorrer aos serviços privados de saúde. Mas disse que essa cooperação só foi possível, no caso de uma operador privado em Lisboa, com a chegada desses profissionais de saúde alemães. Não é verdade.

No momento em que os médicos chegaram a Portugal, o grupo Luz Saúde já estava a receber e a acompanhar doentes Covid com recurso aos seus próprios profissionais de saúde e equipamentos.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

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