Nos últimos dias têm sido muitas as publicações nas redes sociais a dar conta de que um jornalista português que iria cobrir um evento promovido por Jair Bolsonaro foi preso à chegada a São Paulo. Alguns utilizadores dizem mesmo que a situação foi desbloqueada pela embaixada de Portugal no Brasil. Mas será verdade?

Em causa está Sérgio Tavares, que ficou conhecido durante a pandemia por ser a cara do blog negacionista “Jornalistas pela Verdade” e que se intitula como ex-jornalista.

Ao chegar ao aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, no passado dia 25 de fevereiro de manhã, Tavares publicou um vídeo na rede social X (antigo Twitter), dando conta de que estava retido pela Polícia Federal: “Estou RETIDO no AEROPORTO de São Paulo, todos os passageiros tiveram autorização para sair, menos eu. A POLÍCIA FEDERAL tem o meu passaporte retido e dizem-me que o superior me quer fazer questões” (este vídeo já não está disponível). No mesmo dia, às 11h23 locais foi publicado um novo vídeo com a indicação “Fui LIBERTADO!!! E vou mostrar ao mundo o que se passa no Brasil”. Diz ainda que foi ao Brasil para “cobrir uma manifestação de apoio a Bolsonaro”.

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Mas será Sérgio Tavares jornalista, como referem diversas publicações no Facebook (e até algumas notícias que foram publicadas no Brasil)? E foi ou não “preso” à chegada a território brasileiro, como dizem vários utilizadores? Por fim, a embaixada de Portugal teve alguma intervenção para desbloquear a situação?

A primeira questão é simples de responder: Sérgio Tavares não é jornalista em Portugal. Quem o confirmou foi a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) no dia em que foram publicadas notícias no Brasil sobre a suposta retenção de um português no aeroporto de São Paulo.

“Perante as notícias veiculadas por órgãos de comunicação social estrangeiros, nomeadamente brasileiros, de que ‘o jornalista português Sérgio Tavares foi detido no Brasil’ e/ou de ‘que o jornalista e ativista português Sérgio Tavares foi impedido de entrar no país por motivos políticos’, vem este organismo regulador da atividade jornalística em Portugal esclarecer que Sérgio Tavares não é jornalista, como é possível verificar em: https://www.ccpj.pt/pt/profissionais-do-sector/” (a base de dados com todos os jornalistas com carteira atribuída).

Não é nem nunca foi, segundo a referida comissão: “Este organismo independente de direito público nunca emitiu nenhum título de acreditação profissional a Sérgio Tavares.”

Para contextualizar, a CCPJ explica que é “a entidade portuguesa que tem a seu cargo a obrigação legal de assegurar o funcionamento do sistema de acreditação profissional dos jornalistas, equiparados a jornalistas, correspondentes e colaboradores da área informativa dos órgãos de comunicação social, bem como o cumprimento dos respetivos deveres profissionais e regime de incompatibilidades, nos termos do Estatuto do Jornalista (EJ) e do Regime de Organização e Funcionamento da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e da Acreditação Profissional do Jornalista (Decreto-Lei n.º 70/2008 de 15 de abril) (ROFCCPJAPJ)”. E é a esta entidade que compete também “atribuir, renovar, suspender ou cassar os títulos de acreditação profissional dos jornalistas”. 

Mas uma das alegações que mais fez correr tinta nas redes sociais foi a de que o português foi “preso” no aeroporto. Questionada pelo Observador, a Polícia Federal brasileira desmentiu, garantindo que o cidadão português não foi “indevidamente impedido de entrar no Brasil”: “Tal alegação é falsa”.

Então, mas o que aconteceu, para que ficasse retido à chegada, durante mais de três horas? “A Polícia Federal conduziu o procedimento padrão para avaliar a situação do indivíduo, verificando se ele estava no país a turismo ou a trabalho e por quanto tempo pretendia permanecer no Brasil, seguindo o protocolo regular de admissão de estrangeiros. Além disso, ele foi indagado sobre comentários que fizera sobre a democracia no Brasil, afirmando que o país vive uma ‘ditadura do Judiciário’, que é governado por criminosos, que as urnas eletrónicas brasileiras não são confiáveis, o que pode configurar crimes previstos na legislação brasileira, além de outras afirmações na mesma linha, postadas em suas redes sociais”, explicou fonte oficial daquela polícia ao Observador, sublinhando que “as mesmas medidas migratórias são adotadas por padrão na grande maioria dos aeroportos internacionais”.

Assim, as autoridades brasileiras rejeitam que se tenha tratado de uma detenção ou de uma “prisão”, como referem as publicações, mas apenas de um “procedimento padrão” para perceber qual o objetivo da viagem, se turismo ou trabalho.

E foi isso mesmo que o embaixador de Portugal no Brasil também explicou ao Observador, descartando qualquer interferência num “procedimento normal das autoridades de fronteira”.

“Quando fomos informados de que um cidadão português estava a queixar-se que estava detido no aeroporto em São Paulo, entrámos em contacto com a Polícia Federal brasileira, que nos esclareceu que o cidadão em causa não estava detido. Apenas estava retido, para recolha de informações sobre o objetivo da entrada em território brasileiro, um procedimento normal das autoridades de fronteira. Ficámos elucidados, e pouco depois soubemos que o cidadão em causa já tinha saído do aeroporto”, começa por afirmar Luís Faro Ramos, adiantando que “a embaixada quis informar-se, como faria sempre em relação a qualquer cidadão nacional”: “Não desbloqueámos nada, porque não havia nada a desbloquear”.

Depois de ter saído do aeroporto, Sérgio Tavares participou, como previsto, na manifestação de apoio ao ex-Presidente Jair Bolsonaro, na avenida Paulista, em São Paulo, tendo inclusivamente discursado perante uma multidão de apoiantes: “Eu vou garantir que a Europa e o mundo vão saber a verdade sobre o Brasil. O mundo vai saber que o Brasil precisa de liberdade. Não pode haver censura, perseguição. Não se pode obrigar bebés a serem vacinados. Eu prometo, esta imagem vai correr a Europa toda.”

Sérgio Tavares também tinha entrevistado recentemente o antigo Presidente brasileiro para o seu canal de Youtube, o que foi noticiado no Brasil.

Conclusão

O conteúdo das publicações que circulam nas redes sociais não é verdadeiro. Primeiro, Sérgio Tavares não é um jornalista português, conforme garante a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista. Depois, não “foi preso” à chegada ao Brasil, como explica a Polícia Federal ao Observador: foi alvo de um procedimento comum por parte das autoridades de fronteira. Por fim, a embaixada de Portugal no Brasil não “entrou em ação”, porque, como afirma o embaixador Luís Faro Ramos ao Observador, “não havia nada a desbloquear”.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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