Uma tabela que se tornou viral nas redes sociais compara vários indicadores económicos entre o ano em que o Partido dos Trabalhadores (PT) — pelo qual Lula da Silva acaba de ser eleito Presidente do Brasil — supostamente terá terminado o seu último período de governação do país, em 2015 (esta referência, só por si, já estaria errada, mas já lá vamos). O objetivo da publicação aqui em análise seria fazer um balanço entre a herança dos governos petistas, aqui representados com a cara do ex-presidente (apesar de Lula ter saído da presidência em 2010), e o governo de Jair Bolsonaro, tentando demonstrar que este último se saiu melhor durante a governação. Porém, como já fomos percebendo, nem todos os números apresentados estão corretos.

Em primeiro lugar, o cabeçalho da tabela é logo enganador. Dá uma ideia de que Lula da Silva ainda era chefe de Estado em 2015, naquele que teria sido o último ano da governação do PT. Na verdade, o ex-presidente brasileiro deixou o cargo em 2010, depois de oito anos à frente dos destinos da nação. Como substituto, o partido lançou em jogo Dilma Roussef, que foi — já no segundo mandato — obrigada a retirar-se do cargo devido ao impeachment de que foi alvo. Ao contrário daquilo que refere a publicação, esse afastamento do PT do poder não aconteceu em 2015. O processo teve início formal em dezembro desse ano mas foi só em agosto de 2016 que o impeachment foi aprovado pelo plenário do Senado brasileiro, por 61 votos a favor e 20 contra. Este foi, portanto, o último ano em que o PT esteve aos comandos do Brasil.

Relativamente aos vários indicadores apresentados na publicação, o primeiro que se mostra na tabela diz respeito ao desemprego. Esta comparação é falsa. No último trimestre de 2015, o Brasil registava uma taxa de desemprego de 9,1% (e não 14%, como refere a publicação). Os últimos dados disponíveis sobre este indicador são do terceiro trimestre de 2022, momento em que o desemprego no Brasil estava nos 8,9%. Se tivermos em conta o período homólogo do último ano de governo petista, a taxa de desemprego era então de 9% (mais uma décima face ao valor mais recente, muito distante dos cinco pontos percentuais referidos no post).

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Em relação ao salário mínimo, os valores apresentados na tabela estão certos. Em 2015, o salário mínimo no Brasil rondava os 788 reais. Hoje em dia, bate nos 1.212 reais.

Já a comparação do nível de pobreza entre 2015 e 2022 pode divergir consoante o centro de estudos considerado para essa análise. Isto porque no Brasil a linha da pobreza vai mudando consoante o salário mínimo e há uma distinção entre pobreza e extrema pobreza. Dependendo da instituição que esteja a fazer o estudo, o cálculo pode ser diferente, uma vez que não existe uma linha oficial de pobreza definida no Brasil. Contudo, sabe-se que esta é calculada a partir do salário mínimo, normalmente usando como guia o rendimento mensal de metade do salário mínimo (para o caso da linha de pobreza) e um quarto de salário mínimo (para o cálculo da extrema pobreza).

Segundo o FGV Social, que calcula a linha da pobreza nos 497 reais de rendimento mensal, cerca de 29,6% da população total do país está em situação de pobreza, ou seja, 62,9 milhões de brasileiros. O mesmo estudo, em tabela comparativa e com o mesmo cálculo, diz que em 2015 a pobreza atingia 24,93% da população — o que significa que, de acordo com este centro, a população carenciada aumentou (e não diminuiu) no intervalo definido na publicação. A informação da tabela é, portanto, falsa.

Em relação ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), o Brasil fechou 2015 com a economia em contração. De facto, o país registou uma taxa de crescimento de -3,55% no final desse ano, tal como refere a tabela. A publicação também diz que o PIB registado em 2022, que ainda não chegou ao fim, será de 4,70%. Contudo, essa projeção não corresponde aos dados oficiais disponíveis. O Banco Mundial antecipava no início de outubro que a expansão do PIB brasileiro no final deste ano seja de 2,5%. Em 2021, sim, os dados apontam para que o crescimento tenha rondado os valores apresentados no post.

No indicador das contas públicas, a tabela também está errada. Em setembro deste ano, o secretário do Tesouro brasileiro disse, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, que o país deverá fechar o ano com um excedente orçamental de 40 mil milhões de reais. O valor é muito diferente dos 109 mil milhões de reais que a tabela refere. Mas o IBGE não mostra resultados otimistas e refere que, em agosto deste ano, o setor público registou um défice de 30,3 mil milhões de reais. 

Em 2015, o último ano de governo do PT, as contas públicas do Brasil registaram o pior resultado da história até à data, com um défice de 111 mil milhões de reais, tal como é indicado na publicação.

A indicação sobre as contas estatais também está certa, tanto em 2015 como em 2022. As empresas estatais brasileiras, que eram controladas pelo governo federal, tiveram um prejuízo de 32 mil milhões de reais, em 2015. Este ano, as notícias mostram que as estatais registaram, em 2021, um recorde e obtiveram cerca de 187,7 mil milhões de lucro.

Outro indicador que costuma surgir na altura das eleições brasileiras é o número de homicídios que ocorreram no país. Em 2015, tal como refere a tabela, cerca de 59 mil pessoas foram vítimas de homicídio. Os números mais recentes que foram divulgados dizem respeito a 2021, mas mostram que o país registou o menor número de mortes violentas desde 2007, com um total de 41,1 mil vítimas. Um valor, de resto, inferior ao que é referido na tabela. Durante o primeiro semestre de 2022, foram registados 20,1 mil assassinatos.

O indicador seguinte é o DPVAT, um seguro para Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre que é de carácter obrigatório no Brasil. O pagamento exigido por este seguro, em 2015, era cerca de 105 reais para automóveis e 292 reais para motociclos. Em 2022, o preço do seguro para um carro ronda os 5 reais e para uma mota os 12 reais. A tabela está certa.

Quanto aos apoios sociais, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi posto em prática o programa Bolsa Família, que tinha como objetivo o apoio de famílias carenciadas. Também com esse propósito, Jair Bolsonaro reformulou o programa já existente que agora tem o nome de Auxílio Brasil. O primeiro pagamento de 2015 do Bolsa família teve como valor médio os 167 reais, segundo uma publicação do Ministério da Casa Civil brasileiro. Já o programa bolsonarista atingiu este ano o valor médio de 600 reais. Mas este valor precisa de ser contextualizado: ele foi aumentado em julho deste ano, em vésperas do arranque da campanha eleitoral, e no Orçamento do Estado para o próximo ano está previsto que o benefício regresse aos 400 reais. Contudo, várias propostas estão a ser estudadas.

Em relação ao valor da carteira estudantil, que dá direito a vários benefícios para estudantes, é atualmente gratuita na sua versão digital emitida pelo Ministério da Educação. Esta mudança foi feita pelo governo bolsonarista em 2019. Em 2015, o preço a pagar pelo documento rondava os 10 reais. A tabela, neste parâmetro, é verdadeira. 

Conclusão

Uma tabela com vários dados errados (e também alguns corretos) começou a circular pelas redes sociais, com dados de indicadores económicos e sociais que comparam o último ano completo da governação do Partido dos Trabalhadores brasileiro com os de este ano — o último do primeiro mandato de Jair Bolsonaro.

Logo no cabeçalho da tabela começa o engano. É apresentada de um lado a fotografia de Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente histórico do Brasil que foi novamente eleito nas eleições de e30 de outubro deste ano. Contudo, os dados apresentados dizem respeito a 2015, o último ano de governo de Dilma Roussef, já cinco anos depois de Lula ter deixado de ser chefe de Estado.

Em relação aos números apresentados, nem todos são verdadeiros. Nos indicadores do desemprego e população em situação de pobreza, os números são totalmente falsos. No que diz respeito ao PIB, às contas públicas, ao número de homicídios e ao benefício monetário dos apoios sociais, apenas alguns números estão corretos. E no caso do valor do salário mínimo, do seguro para viaturas terrestres, às contas das empresas estatais e à carteira estudantil os números apresentados são verdadeiros.

ENGANADOR

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de factchecking com o Facebook.

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