Operação Marquês e Football Leaks — dois casos importantes na Justiça portuguesa, dois casos sem fim à vista e dois casos cujos arguidos principais são comparados numa publicação que circula no Facebook. O seu autor afirma que, em dez anos, Sócrates ainda não foi “acusado de nada”, mas “Rui Pinto em menos de um ano já está a ser julgado”, criticando assim a Justiça portuguesa. Só que, tanto num caso como no outro, as afirmações são falsas: Sócrates foi acusado pelo Ministério Público (MP) quatro anos depois do início da investigação e Rui Pinto só foi a julgamento cinco anos depois de ter começado a ser investigado.

Ainda assim, mais de uma centena de utilizadores comentou a publicação — indignações e críticas à Justiça portuguesa — e mais de quatro mil utilizadores já a partilharam.

A publicação já foi partilhada por mais de quatro mil utilizadores

A Operação Marquês é mais antiga do que o caso do Football Leaks. A investigação da primeira começou em julho de 2013 com o ex-primeiro-ministro José Sócrates a ser logo um dos suspeitos: acabaria por ser detido em novembro de 2014 e ficar em prisão preventiva até outubro de 2015, altura em que foi libertado, mas ficando proibido de sair do país e contactar com os outros arguidos do caso. Em novembro de 2017, o MP deduziu acusação contra 28 arguidos — 19 pessoas e nove empresas —, sendo um deles Sócrates: foi acusado de 31 crimes de corrupção, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal.

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O antigo primeiro-ministro e outros 18 arguidos pediram pouco depois abertura de instrução — uma fase facultativa do processo em que se decide se o caso segue para julgamento e em que moldes. Em janeiro de 2019 a fase de instrução arrancou e prolongou-se — com uma pandemia pelo meio — até julho de 2020. Agora, o caso aguarda uma decisão do juiz Ivo Rosa: quem vai levar a julgamento e por que crimes ou sequer se o caso vai a julgamento de todo.

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Já o caso do Football Leaks é bem menos complexo: só há dois arguidos. O principal é Rui Pinto, alegado hacker e autor da página Football Leaks — a maior fuga de informação de futebol da história. O outro é Aníbal Pinto, advogado que terá servido de intermediário numa tentativa de extorsão à Doyen, uma das empresas que Rui Pinto terá hackeado e à qual terá pedido dinheiro em troca da não divulgação dos documentos que tinha em sua posse. A investigação começou em outubro de 2015 precisamente na sequência da queixa da Doyen.

Durante vários meses, a identidade de Rui Pinto era desconhecida, mas o português natural de Vila Nova de Gaia acabaria por vir a ser detido em janeiro de 2019, na Hungria. Em setembro desse ano, foi acusado de 147 crimes. Também neste caso foi aberta a fase de instrução que ocorreu nos meses de dezembro de 2019 e janeiro de 2020. A decisão final foi a de levar Rui Pinto a julgamento por 90 crimes e Aníbal Pinto por apenas um. Em abril de 2020, o alegado hacker foi colocado em prisão domiciliária, ao fim de um ano e meio preso, acabando mesmo por ser libertado em agosto de 2020. O julgamento arrancou no mês seguinte, setembro, e ainda decorre, tendo sessões já marcadas até ao final do ano.

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Feitas as contas, José Sócrates foi detido um ano e quatro meses depois de ter começado a ser investigado. Já quanto a Rui Pinto, essa fase demorou muito mais tempo: passaram três anos e três meses entre o arranque da investigação e a detenção do alegado hacker. Em contrapartida, Rui Pinto esteve mais tempo preso preventivamente, um ano e três meses, do que o antigo primeiro ministro, que esteve preso durante cerca de 11 meses. Sócrates também esperou mais tempo que Rui Pinto até o Ministério Público deduzir uma acusação.

É certo que a investigação da Operação Marquês demorou mais tempo, quatro anos e cinco meses, do que a do Football Leaks, três anos e 11 meses. No entanto, há que ter em conta que o primeiro processo é muito mais complexo: desde logo, pelo simples facto de ter 28 arguidos, face aos dois arguidos do segundo caso. Ainda assim, não é verdade que em dez anos Sócrates ainda não tenha sido “acusado de nada”. Até porque ainda não passaram dez anos desde que a investigação foi iniciada, em 2013: na verdade, o antigo governante foi acusado ao fim de quatro anos de investigação. Da mesma forma, é falso que Rui Pinto começou a ser julgado “em menos de um ano”: só foi a julgamento cinco anos depois de ter começado a ser investigado.

De qualquer maneira, os dois casos não são comparáveis. Desde logo, pelo facto de o número de arguidos investigados ser muito superior na Operação Marquês. Depois, há que ter em conta outros fatores: a investigação ao Football Leaks demorou mais tempo porque, entre outras razões, Rui Pinto escondeu a sua identidade durante meses e estava na Hungria quando foi detido. Mais: a pandemia da Covid-19 também veio alterar os prazos. A instrução da Operação Marquês, por exemplo, foi suspensa.

Conclusão

A publicação afirma que em dez anos Sócrates ainda não foi “acusado de nada”, mas “Rui Pinto em menos de um ano já está a ser julgado”. Tanto num caso como no outro, as afirmações são falsas.

Desde logo porque ainda não passaram dez anos desde que a investigação da Operação Marquês foi iniciada, em 2013. Depois, Sócrates já foi acusado pelo MP e a acusação foi deduzida quatro anos depois do início da investigação. Quanto a Rui Pinto, também não é verdade que começou a ser julgado “em menos de um ano”: só foi a julgamento cinco anos depois de ter começado a ser investigado, em 2015 — um julgamento que ainda decorre.

Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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