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No final de junho, Portugal recebeu uma boa notícia aguardada há vários anos: o lince-ibérico, espécie que durante décadas os portugueses se habituaram a ver como símbolo de uma natureza sob ameaça, deixou de estar classificado pela União Internacional para a Conservação da Natureza como “em risco” e desceu ao nível “vulnerável”. É verdade que continua a estar estar classificado com uma das categorias de ameaça, mas trata-se do nível mais baixo de ameaça — e os responsáveis pela conservação da espécie acreditam mesmo que o lince-ibérico poderá estar livre de qualquer ameaça dentro de uma década. |
A pretexto das notícias sobre a alteração no estatuto de conservação do lince-ibérico, entrevistei o biólogo João Alves, técnico superior do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e coordenador do Plano de Ação para a Conservação do Lince Ibérico em Portugal. |
João Alves trabalha há várias décadas no ICNF e ainda se lembra da primeira campanha de defesa do lince-ibérico. Foi há 45 anos que a Liga para a Proteção da Natureza lançou a célebre campanha “Salvemos o Lince e a Serra da Malcata” — e João Alves, na altura um jovem estudante da Faculdade de Ciências de Lisboa, ainda colaborou na colagem dos famosos cartazes com o desenho do lince-ibérico. O sucesso da campanha abriu as portas à classificação da Serra da Malcata como reserva natural e a décadas de esforços de conservação do lince-ibérico. |
No final do século XX, a espécie atingiu o ponto mais baixo: classificada como em “perigo crítico de extinção”, era representada por menos de uma centena de exemplares em toda a Península Ibérica e foi mesmo o felino mais ameaçado do mundo. Quase 50 anos depois da primeira campanha, o panorama mudou: já vivem mais de dois mil linces na Península Ibérica e a espécie já deixou de estar em risco. |
Qual o segredo deste sucesso? João Alves fala do trabalhos técnicos e políticos concertados entre Portugal e Espanha, que permitiram a criação de uma rede ibérica de centros de reprodução em cativeiro do lince-ibérico, a beneficiação dos habitats, a consciencialização das populações para a importância de proteger a espécie. Neste momento, explica o biólogo, após um intenso trabalho de reprodução em cativeiro e de libertação de animais na natureza, a maioria dos linces-ibéricos que existem já nasceram na natureza — um sinal do sucesso do programa. |
João Alves explica ainda como esforços de conservação do lince-ibérico beneficiam, hoje, de uma ajuda preciosa da tecnologia: a inteligência artificial que permite identificar cada exemplar capturado pelas câmaras escondidas na natureza; as coleiras digitais que permitem monitorizar onde andam os linces; a base de dados genética de todos os linces que permite reduzir a consanguinidade no cruzamento dos exemplares e até uma parceria com a Waze para avisar os condutores da proximidade dos linces na estrada. Tudo em nome de uma espécie que, como resume o biólogo, sem estes esforços já não existiria em Portugal. |
Países europeus falham meta da Lei do Clima |
Em sentido contrário às boas notícias sobre o lince-ibérico, menos de um mês depois das eleições europeias de 9 de junho — que resultaram num recuo significativo dos Verdes Europeus em Estrasburgo —, há más notícias em Bruxelas no que toca às questões ambientais. Esta segunda-feira, o jornal Politico noticiou que só quatro dos 27 Estados-membros da União Europeia cumpriram a obrigação de entregar, até ao dia 30 de junho, os seus planos ambientais corrigidos para garantir as metas ambientais europeias. |
A Lei do Clima, aprovada em 2021, consagrou no ordenamento jurídico europeu os principais objetivos climáticos da União Europeia, com especial destaque para uma meta em concreto: garantir uma redução em 55% das emissões de dióxido de carbono entre 1990 e 2030. Essa redução é vital para alcançar a principal meta climática da UE: alcançar a neutralidade carbónica, no máximo, em 2050. E, como explicou na altura ao Observador o então vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, como aquele objetivo se tornou lei, os países são mesmo obrigados a cumpri-lo. |
Problema? Os compromissos ambientais dos Estados-membros continuam a ser insuficientes para garantir essa redução de 55% das emissões de dióxido de carbono até 2030, face aos valores de 1990. |
Como explica o Politico, já no ano passado isto tinha acontecido: os Estados-membros submeteram à Comissão Europeia os seus planos ambientais, que Bruxelas considerou insuficientes para que o objetivo dos 55% fosse alcançado. Os países foram então instruídos no sentido de apresentar planos modificados até ao dia 30 de junho de 2024 — o último domingo. Porém, só Países Baixos, Dinamarca, Finlândia e Suécia cumpriram o prazo. Na segunda-feira, Itália também submeteu o seu documento. |
De acordo com o mesmo jornal, até mesmo os documentos que chegaram a Bruxelas são pouco satisfatórios: reconhecem que estão atrasados no cumprimento dos objetivos e admitem até que, no futuro, governos de extrema-direita poderão andar para trás nas metas climáticas. Ambientalistas ouvidos pelo Politico lamentam que tudo isto possa colocar em causa não só a exequibilidade das metas ambientais da UE (com destaque para a neutralidade carbónica até 2050), mas também a credibilidade da Europa nas negociações climáticas mundiais. |
Olhando para os planos submetidos no ano passado, só oito países (Bulgária, Dinamarca, Estónia, Grécia, Itália, Lituânia, Luxemburgo e Espanha) entregaram metas em linha com os objetivos climáticos da UE, ao passo que três países (Croácia, Alemanha e Portugal) ficaram perto desses objetivos. Todos os outros, diz ainda o Politico, ficaram bastante longe das metas climáticas da União. |
Quanto aos objetivos climáticos que deviam ter sido entregues até ao último domingo, a Comissão Europeia deverá agora pressionar os Estados-membros na reunião de ministros do Ambiente e da Energia agendada para este mês. Se os países persistirem no atraso, Bruxelas não exclui a possibilidade de recorrer a medidas legais para forçar os países a entregar metas compatíveis com os objetivos da União Europeia, disse um porta-voz da Comissão ao Politico: “Sempre que necessário e apropriado, a Comissão vai usar as opções legais ao seu dispor para assegurar o cumprimento da legislação da UE.” |