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Quando se mudaram para Reguengos de Monsaraz, em 2015, a ex-atriz Ana Lúcia Chita e o ex-manequim Daniel Cardoso contavam dar início a uma exploração agrícola biológica de sucesso. Com os fundos europeus que conseguiram no âmbito dos apoios aos jovens agricultores do PDR 2020, compraram uma quinta de 11 hectares naquele concelho do Alentejo central, montaram infraestruturas e cultivaram milhares de plantas, sobretudo ervas aromáticas e chás. Porém, não contaram com o problema estrutural que lhes viria a arruinar o negócio: o terreno que compraram está rodeado de enormes extensões de vinha, cultivadas de modo convencional, onde são usados com frequência pesticidas e fertilizantes sintéticos — permitidos, e comuns, na agricultura tradicional, mas absolutamente inadmissíveis para a obtenção de uma certificação do modo de produção biológico. |
Em 2017, um cliente detetou um vestígio, muito residual, de um produto sintético num dos lotes. No ano seguinte, viram o primeiro lote de ervas aromáticas ser integralmente devolvido por estar contaminado. Em 2020, uma nova contaminação ditou a sentença: devido à reincidência, Ana Lúcia e Daniel teriam a certificação biológica suspensa, pelo menos, por um período de três anos. Foi o fim de um negócio integralmente centrado numa certificação que pode fazer um produto valer dez vezes mais do que se tivesse sido cultivado de modo convencional. |
A identificação do contaminante dissipou-lhes as dúvidas. No tomilho, a entidade certificadora detetou a presença de folpete com valores quase seis vezes acima do permitido para consumo humano: usado para combater doenças comuns nas videiras, o folpete tinha origem nas explorações vitivinícolas vizinhas. Por considerarem que os vizinhos tinham violado a lei, os dois jovens avançaram para tribunal — e uma recente sentença favorável poderá obrigar os vizinhos a acionar os seguros e a indemnizar os agricultores biológicos, que acumularam dívidas na ordem do milhão de euros. |
Não é certo que os vizinhos tenham deliberadamente incumprido a lei: as condições atmosférias, por exemplo, podem ter inadvertidamente transportado o fungicida, usado em condições normais nas videiras, até aos campos de tomilho, onde se acumulou em quantidades acima do permitido. Todavia, de acordo com várias fontes ouvidas pelo Observador, falta fiscalização. Todos os agricultores — incluindo os convencionais — estão obrigados a só usar pesticidas sintéticos em último recurso. É o chamado princípio da “proteção integrada”, cuja aplicação é fiscalizada por uma multiplicidade tão grande entidades públicas que, no fim de contas, não existe uma fiscalização integrada; por isso, dificilmente se comprova que o uso de produtos sintéticos era, de facto, a única opção para determinado agricultor. |
Embora seja o mais grave, o caso não é único a ter chegado aos ouvidos dos ambientalistas da associação Zero, que diz que vários agricultores biológicos estão preocupados com a proximidade dos seus terrenos a culturas convencionais. Quem também já se pronunciou sobre o caso de Reguengos de Monsaraz foi a Comissão Europeia: numa carta enviada aos dois jovens, o gabinete da comissária europeia Stella Kyriakides, da Saúde e Segurança dos Alimentos, reconheceu que uma auditoria comunitária recente às autoridades portuguesas concluiu que, embora os princípios da proteção integrada sejam obrigatórios em Portugal, “não existe controlo da aplicação a nível das explorações agrícolas”. |
Ativistas climáticos usaram tragédia em Moçambique para atacar Galp |
Se vive na cidade de Lisboa, poderá ter visto os cartazes publicitários falsos que surgiram em vários pontos da capital portuguesa na última quinta-feira. Usando a imagem institucional da Galp, os cartazes falsos foram colocados por toda a cidade por ativistas anónimos ligados ao movimento “Clean Gas Is A Dirty Lie” e procuraram responsabilizar a empresa energética portuguesa pela guerra e pelos atentados terroristas que há mais de três anos assolam a região de Cabo Delgado, no norte de Moçambique — por ter uma participação num dos consórcios que exploram gás natural na região. |
Em poucas horas, o grupo ativista português Climáximo veio a público defender a ação. O movimento já é conhecido pelas suas ações de protesto que, com frequência, entram no campo da ilegalidade: em dezembro de 2019, o Observador tinha descrito o manual interno do grupo para ensinar os membros do coletivo a resistir às “forças repressivas” (ou seja, à polícia) e para lhes explicar o que fazer na eventualidade de serem detidos durante as manifestações radicais. Desta vez, o Climáximo optou por se posicionar ao lado da campanha — que usurpou a imagem institucional da Galp para, potencialmente, difamar a empresa —, mas sem assumir a autoria do protesto. |
Em conversa com o Observador, dois membros do grupo deram informações contraditórias: um disse que o Climáximo não conhecia os verdadeiros autores dos cartazes; outro afirmou que o grupo os conhecia, mas não podia revelar as suas identidades. O que é certo é que foi o Climáximo a divulgar, pelas suas redes sociais, o vídeo que mostra os cartazes a serem afixados. Ao mesmo tempo, aquele coletivo de ativistas climáticos difundiu um comunicado com citações de um ambientalista moçambicano que, horas antes, haviam surgido num comunicado falso emitido em nome da Galp dando conta da suposta saída da empresa das explorações de gás natural no norte de Moçambique. O Climáximo negou ter estado por trás desse comunicado falso. |
A empresa queixou-se de estar a ser alvo de uma “ação maliciosa” que aproveitou “a trágica situação que se vive em Moçambique para difundir notícias falsas e procurar denegrir a imagem da empresa em cartazes”. Os membros do Climáximo, por outro lado, não assumiram qualquer aproveitamento da tragédia humanitária de Moçambique. Pelo contrário, acusaram, sem especificar porquê, a Galp de ser “colonialista” e de expropriar famílias de moçambicanos — e orgulharam-se em difundir aquilo que eles próprios descreveram como “uma campanha de desinformação maciça”. |