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“Encontrámos” |
A mensagem simples chegou ao telemóvel da Joana Carvalho Reis mais de uma semana depois de a subeditora da Rádio Observador ter lançado uma busca por uma enfermeira do Hospital de Santo António, no Porto. E tudo por causa de um trabalho, para a rádio e para o jornal, que nem sequer tinha profissionais de saúde como personagens principais. |
O ponto de partida foi o caso de Hélder Gomes, que era particularmente importante para a série de reportagens que a Joana e o João Porfírio, editor de fotografia do Observador, estiveram a fazer nas últimas semanas — “Recuperados” — sobre pessoas que ficaram em estado muito grave, mas conseguiram superar a Covid-19. |
Hélder, de 47 anos, saudável, esteve 52 dias em coma por causa da infeção. A situação foi tão grave que, durante um mês e meio, precisou de suporte ECMO, uma máquina que substitui as funções do coração e dos pulmões. E, para isso, teve de ser transferido para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde estava a única máquina disponível na altura. |
Deu a volta, recuperou, mas a doença deixou-o em tetraparesia — não tem força nas pernas nem nos braços e mal se consegue mexer. No dia em que a Joana e o João o encontraram no Centro de Reabilitação do Norte, a 18 de fevereiro, descreveu o momento em que foi induzido em coma, ainda no Santo António, como um botão: “Desligaram e eu desapareci; ligaram e eu estava cá outra vez. Para mim, não houve tempo”. |
Antes, porém, desse vazio, as palavras de uma enfermeira deram-lhe força para tudo o que se seguiria. E não era uma enfermeira qualquer: era uma antiga colega de escola que Hélder Gomes reconheceu na Unidade de Cuidados Intensivos, apesar de estar equipada dos pés à cabeça — com fato, touca, máscara e óculos — e de não se verem há mais de 30 anos. |
“Olá, estás boa? Não me estás a reconhecer? Não andaste no Liceu Rodrigues de Freitas? Eu sou o Hélder.” |
A Joana Carvalho Reis e o João Porfírio até já tinham saído do Centro de Reabilitação do Norte, mas com aquela curiosidade que quase dá comichão aos jornalistas quando reconhecem uma boa história. Por isso, decidiram voltar a ligar para saber se Hélder se lembrava do nome tal antiga colega — e começou aí a busca pela enfermeira Susana Dias. |
Problemas: |
- o Hospital de Santo António tem muitas enfermeiras;
- e nenhuma se chama Susana Dias.
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A razão era fácil de imaginar: desde os tempos do liceu, o apelido da enfermeira tinha mudado. O problema é que nos Cuidados Intensivos também não havia ninguém que se encaixasse na história. Era preciso procurar noutros serviços, até porque, por causa da Covid-19, muitos profissionais foram deslocados entre várias áreas, conforme as necessidades. |
A mensagem foi-se espalhando e, ao longo da semana seguinte, o assessor de imprensa do Hospital de Santo António foi fazendo pontos de situação, mas não havia sinais da enfermeira. Até que na sexta-feira passada, às 8h51, chegou a tal mensagem: |
“Encontrámos” |
Alguém tinha ouvido a história daquele encontro inesperado e indicou a enfermeira Susana Costa — o novo apelido. |
Um dia depois, numa conversa por Zoom, a enfermeira também descreveu o dia em que, no meio da confusão dos Cuidados Intensivos, em novembro, e numa altura em que os casos de infeção no Norte do país não paravam de aumentar, entrou numa sala e um doente chamou por si, sem que fizesse ideia de quem se tratava. Nos poucos dias que se seguiram até Hélder Gomes ser transferido para Lisboa, Susana Costa foi acompanhando o seu estado: ia visitá-lo, conversava com o antigo colega, dava-lhe força. Quando a situação se começou a complicar, foi ela quem fez uma chamada para a família para que Hélder pudesse falar com a ex-mulher e com os dois filhos. Seria induzido em coma logo depois, talvez fosse a última conversa que iam ter. |
Durante o tempo que Hélder esteve em Lisboa, esse cuidado não desapareceu: a enfermeira foi trocando mensagens com a família e recebendo atualizações. É que se o encontro marcou o doente e lhe deu força, também mexeu com Susana Costa, por causa das coincidências: “Eu estava a tratar e ele estava a receber cuidados e percebi que a diferença entre estar de um lado ou do outro é muito pequena“. |
“Dois encontros inesperados, antes e depois do coma” é a última parte da série de reportagens “Recuperados”, que pode ler e ouvir aqui. |
P.S. Entretanto, Susana Costa e Hélder Gomes já trocaram mensagens no Facebook. Ele agradeceu-lhe. |