As verbas disponíveis no contexto do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) constituem uma oportunidade única no reforço da capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Mas será que as opções do Governo constituem um passo sólido no sentido da concretização das tão necessárias reformas para o setor?

A saúde assume relevância na dimensão Resiliência do PRR, mais especificamente na área de intervenção relativa às vulnerabilidades sociais, cuja dotação ascende a 3 mil milhões de euros, sendo entendida como um elemento decisivo na criação de condições para um desenvolvimento mais sustentável, sobretudo num contexto de profundas alterações demográficas, com o aumento da esperança média de vida e o consequente envelhecimento da população.

Além disso, o SNS é diretamente visado pelo PRR, com verbas superiores a mil milhões de euros destinadas, essencialmente, ao reforço dos cuidados de saúde primários, cuidados continuados e cuidados paliativos, à reforma da saúde mental e ao reforço de equipamentos hospitalares.

Esta é, no entanto, a única referência direta à área da saúde na dimensão Resiliência, existindo, contudo, outras componentes que poderão, indiretamente, contribuir para o bem-estar das populações, como a habitação, com particular foco na reestruturação do parque de habitação social com verbas superiores a 1,2 mil milhões de euros, e a componente das respostas sociais, em particular as respostas sociais dirigidas às crianças, pessoas com incapacidade e idosos, desenvolvendo soluções de proximidade e promovendo a inclusão e o envelhecimento ativo e saudável.

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Ainda que de forma tímida e indireta, a dimensão Resiliência acaba por assumir, desta forma, particular importância ao endereçar algumas das tendências a que assistimos na área da saúde – promoção do envelhecimento saudável, foco na prevenção e nas pessoas, a descentralização na prestação dos cuidados de saúde e o acompanhamento dos doentes fora do ambiente hospitalar, a crescente importância da área da saúde pública e o robustecimento dos sistemas de saúde.

Uma segunda dimensão do PRR diz respeito à transição climática. Não serão as poliíicas de saúde o motor das iniciativas previstas nesta dimensão, mas certamente que serão cada vez menos os detratores da ideia que a mobilidade sustentável, a descarbonização, a bioeconomia e a eficiência energética e renováveis, componentes deste pilar, poderão contribuir direta e indiretamente para a melhoria do bem-estar e, consequentemente, para os resultados em saúde.

Por ultimo, o PRR apresenta como terceira dimensão a transição digital, na qual a saúde se encontra representada, em particular na componente relativa à Administração Pública Digital, onde estão previstas verbas para os designados programas de transição digital na saúde e hospital digital, cujo montante ficará pelos 330 milhões de euros.

Sendo certo que o futuro da saúde passa pela digitalização, esta verba será certamente insuficiente para assegurar com sucesso um processo de transformação fundamental do setor. O atual contexto pandémico veio acelerar os processos de transformação digital, deixando evidente a sua criticidade para assegurar uma resposta eficaz e podendo contribuir para uma redução de custos, melhor serviço e maior resiliência dos sistemas de saúde.

Sendo indiscutível a relevância das iniciativas aqui elencadas, parece claro que o PRR se constitui, essencialmente, como uma terapêutica para alguns sintomas antigos. Falta um olhar sobre o futuro, que traduza uma visão estratégica do que se pretende que seja o sistema de saúde na sua plenitude, no qual se assegure uma articulação efetiva entre o sistema público, privado e social, que o atual contexto pandémico demonstrou ser absolutamente critico.

Será caso para dizer que a “bazuca”, nos moldes previstos no PRR, não fará mal à “Saúde”, mas pode muito bem constituir uma oportunidade adiada, no sentido de conseguirmos assegurar cuidados de saúde mais preditivos, preventivos, personalizados e participativos.