Já às voltas com dois conflitos, na Europa Oriental e no Médio Oriente, os Estados Unidos não estariam muito à vontade para uma terceira prova de força em Taiwan, no Oceano Pacífico.

A ilha, a Formosa dos portugueses do século XVI, é considerada parte integrante do território nacional pela República Popular da China, que inscreveu a unidade do país e a reunificação da ilha com o continente como objectivo irrenunciável do Governo, do Partido e do Líder.

Xi-Jinping, que concentrou o poder e os poderes na sua pessoa alterando a direcção colegial pós-Mao Tsé-Tung, não se tem cansado de repetir esse propósito e de avisar os seus “irmãos separados” e o resto do mundo – nem sempre de maneira branda – que a reintegração de Taiwan vai mesmo acontecer até 2049.

Quando e como é a incógnita. Os Estados Unidos da América, que neste interregno da ordem mundial olham a China como o seu principal rival geopolítico, empenham-se em dissuadi-la de recorrer à força militar para o conseguir. Mas o problema voltou às primeiras páginas com as eleições em Taiwan, no passado 13 de Janeiro.

Do autoritarismo à democracia

Em 1927, Chang Kai-shek, depois de disciplinar os “senhores da guerra”, entrou em ruptura com os comunistas e começou a guerra civil.  Em 1949, os comunistas de Mao Tse-Tung venceram a guerra civil contra o Kuomintang, o Partido Nacionalista Chinês criado por Sun Yat-sen.

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Depois da vitória de Mao-Tse-Tung, Chiang retirou-se com os sobreviventes do Exército e do Kuomintang para a Formosa, onde, sob protecção militar americana, instalou um regime autoritário. Por influência americana, o governo de Taipé foi considerado o governo de toda a China, situação que só viria a alterar-se em 1971 com a visita de Nixon e Kissinger a Pequim e o reconhecimento da China comunista.

Na Formosa-Taiwan, o Kuomintang manteve o regime autoritário de partido único até 1986, transitando então, depois de um processo de democratização, para o pluralismo partidário.  Foi quando surgiu o Partido Democrático Progressista, que passou a competir com o Kuomintang, mais conservador em princípios e hostil à criação de um Estado independente.

A identidade taiwanesa e a sua relação com a China são hoje a questão principal para os 23,5 milhões de cidadãos de Taiwan. Segundo uma sondagem da Universidade Nacional de Chengchi, 60% da população identifica-se apenas como taiwanesa; 30% considera-se taiwanesa e chinesa, e só uma pequena parte se define como exclusivamente chinesa.

Nas eleições presidenciais de 13 de Janeiro, o vice-presidente Lai-Ching-te, do Partido Democrático Progressista, foi eleito com 40,05% dos votos. Em segundo lugar ficou o candidato do Kuomintang, Hou Yu-ih, com 33,5%, e em terceiro, com 26,5%, Ko Wen-je, do Partido do Povo de Taiwan, um partido recente, criado em Agosto de 2019.

Mas a 13 de Janeiro, a par da eleição presidencial, houve também eleições legislativas para os 113 lugares do Parlamento de Taiwan; e, nestas, o Partido Democrático Progressista perdeu a maioria. Assim, na Assembleia Legislativa eleita, o Kuomintang (que ganhou os 10 lugares perdidos pelo Partido Democrático Progressista) passou a ser o primeiro partido, com 52 deputados, contra os 51 dos progressistas.

A partir destes resultados e dadas as tentativas de interferência de Pequim na eleição (que levaram até à detenção de algumas dezenas de pessoas), a tensão política na região voltou a crescer, ainda que uma intervenção militar de Pequim não esteja, por enquanto, em cima da mesa – até porque Taiwan tem uma força militar permanente de 170 000 homens, um milhão e meio de reservistas e um exército recentemente reequipado com material norte-americano, capaz de aguentar um primeiro embate.

Pela paz e pelo comércio

Entretanto, em Washington, nas vésperas das eleições taiwanesas, o Senado e a Câmara dos Representantes votavam por unanimidade moções bipartidárias de apoio às instituições democráticas de Taiwan. Considerando as profundas divisões políticas nos EUA, este consenso à volta de Taiwan e da China é significativo. Ao mesmo tempo, Biden punha água na fervura, dizendo que Washington só reconhecia uma China e que aquelas moções e manifestações não representavam um apoio expresso à independência de Taipé.

Assim, até 2049, o ano do centenário da República Popular da China, tudo leva a crer que a estratégia de Pequim seja uma estratégia a médio e a longo prazo, alimentando o diálogo com o Kuomintang e tentando, pacificamente, comercialmente, diplomaticamente, atrair os taiwaneses para o ideal da reunificação, garantindo-lhes as liberdades conquistadas.

De resto, parece ser este o pensamento do grande ideólogo do Partido, Wang Huning. Wang, um pensador e académico reputado, é membro do exclusivo Comité Permanente do Bureau Político, o núcleo dos núcleos do Partido, e é tido como o ideólogo dos líderes que sucederam a Deng-Xiau-Ping: Jiang Zemin, Hu Jitao e agora Xi Jinping.

No passado 12 de Outubro, falando no Sexto Fórum dos Compatriotas de Taiwan, em Pequim, Wang encorajou a reunificação pacífica pelo esforço e pela acção de “compatriotas dos dois lados do Estreito”. E o Presidente da China e Secretário-Geral do Partido, Xi Jinping, parece concordar com ele.  Até ver.