Enquanto não existirem orientações políticas claras acerca da arquitetura espacial da União, enquadradas por uma estratégia de crescimento global, as políticas europeias, nacionais e regionais, movidas por overbooking territorial, tende­rão a ser extremamente disputadas entre si, podendo, por essa via, alimentar os regionalismos de vária índole à procura de legitimidade autonomista. Julgo que essas orientações poderiam ser devidamente abordadas no âmbito de um New Deal sobre cooperação territorial com base na formação e reticulação de euro-regiões, euro-cidades e outros agrupamentos territoriais, para o qual concorreriam, em conjunto, um BCE multiobjectivos, um orçamento federal, um tesouro ou uma agência europeia de mutualização da dívida federal e um BEI com capitais reforçados que, em conjunto, poderiam emitir “obrigações de crescimento” visando a construção de uma territorialidade verdadeiramente europeia.

O processo histórico corre à nossa frente, de tal forma célere que, perante a evidência do Estado-exíguo, necessitamos, urgentemente, da vitalidade das culturas locais e regionais para promover “um novo ciclo de desenvolvimento”. Todavia, esta necessidade pode colocar-nos à beira da rutura, se, porventura, alguma coisa correr mal no processo de construção europeia ou no processo de globalização. Por isso, porque essas culturas adquiriram legitimidade própria, teremos de cuidar e refazer a nossa imagem da representação territorial, que nos catapulte para um novo patamar de relacionamento entre as instituições europeias e as regiões nacionais, em estreita cooperação com as autoridades nacionais e no quadro de uma territorialidade europeia mais policêntrica e descentralizada.

1. A conjuntura europeia e a coesão territorial, os próximos episódios

Na agenda política europeia e nacional pode parecer paradoxal, na atual conjuntura, falar de “cooperação territorial descentralizada” na União Europeia. A opinião de referência é dominada pela geopolítica dos grandes países, a macroeconomia da zona euro e a microeconomia do mercado único europeu. A meso-política e a mesoeconomia das euro-regiões, das áreas metropolitanas, das redes de cidades e, de uma maneira geral, dos agrupamentos europeus de cooperação territorial (AECT) são observadas com alguma sobranceria a partir das capitais e consideradas como variáveis endógenas da política macroeconómica e financeira decidida em Bruxelas e Frankfurt. Acresce que, no quadro das políticas de ajustamento ainda em vigor, as políticas de coesão territorial acabam por funcionar como instrumentos de gestão da procura agregada e, portanto, sujeitas ao “pára-arranca” dessas políticas e à sua “descontinuação” na transição entre quadros comunitários de apoio e períodos de programação plurianual.

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A questão central que aqui se coloca é a ordem de importância relativa dos temas em agenda e as prioridades políticas que se estabelecem quando não há tempo e recursos para atacar todos os problemas de uma só vez. Face aos graves problemas em agenda neste momento – populismo, imigração, Brexit e crise do estado social – é bem provável que alguns “assuntos menores” tenham de ser sacrificados e que um desses assuntos seja, justamente, a coesão territorial no interior da União Europeia, e por maioria de razão quando a “teoria da estabilidade e da condicionalidade” prevalece sobre a “teoria da coesão e da solidariedade”. Essa é, também, a razão pela qual nós dizemos que falta uma doutrina da cooperação territorial descentralizada à União Europeia e que é um “crime de lesa-europa” não aproveitar o potencial de “crescimento distribuído” que reside nas euro-regiões, nas redes de cidades e, de uma maneira geral, nos agrupamentos europeus de cooperação territorial.

De 2010 para cá, os países do sul da Europa foram sujeitos a vários regimes de condicionalidade macroeconómica no quadro do pacto de estabilidade e crescimento, do tratado orçamental e do semestre europeu, para lá de outros procedimentos de correção macroeconómica em vigor no âmbito dos chamados “Packs”. Como já disse, a doutrina dominante de regulação macroeconómica tratou o espaço-território como uma variável endógena, sendo a política de coesão territorial considerada, em primeira instância, como um instrumento de gestão da procura agregada. Veja-se, por exemplo, o que tem acontecido ao investimento público em Portugal nesta década. A consequência mais imediata deste ajustamento é uma “nova geração de desequilíbrios regionais” que pode pôr em causa, inclusive, o esforço de investimento e convergência feito em quadros comunitários de apoio anteriores. Esta verificação objetiva de uma regressão significativa nos níveis de convergência económica e social da política regional dos países do sul da Europa, significa que não há, neste contexto tão severo e competitivo, problemas regionais definitivamente resolvidos. Em 2018 houve, além disso, tal como em 2008, sinais evidentes de alguma agitação na economia internacional e nos mercados financeiros. Eis alguns sinais dessa agitação:

  • A desaceleração do crescimento económico e o espetro de uma guerra comercial,
  • O prolongamento do ambiente deflacionário na economia europeia, não obstante a política de quantitative easing do BCE visando subir a taxa de inflação,
  • O fim anunciado da política de compra de ativos pelo BCE em 2019 e o comportamento das taxas de juro da dívida soberana nos mercados financeiros,
  • As dúvidas a propósito da restruturação das dívidas soberanas no plano europeu, veja-se o caso italiano,
  • A falta de ajustamento simétrico entre os países europeus com saldos correntes excedentários e os países deficitários da zona euro,
  • Os problemas de financiamento da economia real: vejam-se os receios relativos à garantia comum de depósitos, as dúvidas face ao crédito mal parado e às operações de saneamento e recapitalização bancária,
  • As hesitações face às reformas estruturais na produtividade e competitividade que tardam em produzir resultados efetivos,
  • O agravamento das desigualdades sociais e as grandes dificuldades em gerir as expectativas dos diferentes estratos da população que dão razão aos movimentos grevistas,
  • Uma baixa taxa de poupança interna, uma redução significativa do investimento público e a degradação dos serviços que são um sinal evidente do recuo do estado social,
  • Uma extrema vulnerabilidade em lidar com os riscos globais e os choques assimétricos por falta de meios próprios mobilizáveis para as políticas de prevenção e emergência,

Esta conjunção de fatores críticos marcará a economia da zona euro e o próximo período de programação da política europeia para 2030. Basta pensarmos na desaceleração do PIB das principais economias europeias, nas guerras comerciais que se avizinham, nas consequências financeiras do Brexit, na nova composição política do Parlamento Europeu, no peso excessivo do serviço da dívida soberana nos orçamentos nacionais dos países do sul, nos valores ridículos do investimento público orçamentado e na falta de capitais próprios (dívida privada) para realizar investimento privado. Se os estabilizadores automáticos das finanças públicas funcionarem, a conjugação destes fatores dá-nos uma perspetiva aproximada do que será a política de coesão territorial nos primeiros anos da década de 2020-2030 e, porventura mais decisivo, uma indicação do valor do PIB potencial no final do período, relativamente ao qual se mede, por exemplo, o défice estrutural do orçamento nos termos do tratado orçamental da União Europeia. O caso português é, de resto, bastante eloquente a este propósito.

2. A doutrina da cooperação territorial descentralizada na União Europeia

Tudo somado, este é, também, o momento oportuno para elaborar um pouco mais “fora da caixa” no que diz respeito à política de coesão mais convencional que, em minha opinião, continua a girar muito em redor das clientelas e dos destinatários habituais. Refiro-me aqui ao que poderíamos designar como a “doutrina regionalista” da União Europeia, ou, talvez mais apropriadamente, a “doutrina da cooperação territorial descentralizada”, abordadas em duas perspetivas distintas: em primeiro lugar, numa “linha de integração negativa”, ao mesmo tempo mais liberal e mais intergovernamental, em segundo lugar, numa “linha de integração positiva”, mais integracionista e unionista, digamos, também, mais neokeynesiana.

Na primeira perspetiva, a “linha de integração negativa” é essencialmente uma linha “de mínimos”. Estaríamos, assim, de regresso ao mercado comum como pilar da União Europeia, à sua desregulamentação e a uma política regulatória mais defensiva e, acima de tudo, a uma arbitragem comercial mais desgovernamentalizada e extrajudicial.  Em matéria de coesão territorial, esta perspetiva mais intergovernamental teria como traços dominantes os seguintes:

  • A chamada Europa das Regiões seria um assunto puramente intergovernamental e de segunda ordem no plano europeu, embora alguns “eventos globais” possam destinar-lhe um papel importante (por exemplo, os grandes acidentes naturais e climatéricos e o acolhimento de refugiados nas regiões de fronteira);
  • Assistiríamos, porventura, a uma erosão da componente parlamentar do sistema político ao nível do Parlamento Europeu, dos Parlamentos Nacionais e dos Parlamentos Regionais: apesar do Tratado de Lisboa, o défice de controlo parlamentar seria agravado e transformar-se-ia numa fonte potencial de mal-estar para o sistema europeu de cooperação territorial; pense-se, por exemplo, no controlo transfronteiriço entre Portugal e Espanha por causa do fluxo de refugiados e migrantes provenientes do norte de Africa;
  • A macroeconomia orçamental do pacto de estabilidade, do tratado orçamental, do semestre europeu e dos diferentes Packs, seria considerada desajustada e teria de ser revista numa linha mais desconcentrada e intergovernamental;
  • A diversidade das situações regionais reclamaria, também uma maior diversidade de soluções regionais; a forma diferenciada como os Estados membros estão politicamente constituídos (federais, regionais e unitários) permitiria receber e aplicar os princípios de coesão territorial e subsidiariedade de modo diferente; assistiríamos, pois, a uma certa renacionalização da política de coesão territorial;
  • A Europa das Regiões poderia ser promovida por uma razão menos comum e que tem a ver com a segurança coletiva da União e da sua fronteira exterior; o reforço da ajuda à fronteira exterior da União, primeira porta de entrada de fluxos erráticos de população daquelas zonas, é fundamental para prevenir crises agudas de regionalismo que, por esta via, poderiam conseguir argumentos adicionais para emergirem com uma legitimidade renovada; no mesmo sentido, e no âmbito da política de relações exteriores e segurança comum, pode a Europa das Regiões ser transposta para fora da União sob a forma de cooperação transfronteiriça e transnacional; é outra faceta da política regional que precisa de ser claramente explicada às regiões europeias, sob pena de se exacerbarem os egoísmos regionais face a regiões de terceiros países e precisa, ainda, de ser adequadamente traduzida e reforçada do ponto de vista orçamental.

No que diz respeito à verosimilhança desta perspetiva, lembro, apenas, que uma eventual pulverização político-partidária do Parlamento Europeu, em consequência de uma alteração fundamental na sua composição política devido à ascensão de partidos nacionalistas e populistas, pode perfeitamente conduzir a uma neutralização da assembleia e, logo, a um mero somatório de políticas intergovernamentais sem coerência nem sentido em matéria de política de coesão. Esta hipótese não está inteiramente afastada se pensarmos nas próximas eleições de maio 2019 para o Parlamento Europeu.

De acordo com a segunda perspetiva, mais integracionista e unionista, o território da União Europeia deixaria de ser uma variável endógena ou um ator de 2ª ordem para passar a ser um ator de primeiro plano no contexto de uma multiterritorialidade mais claramente unionista ou federal. Nesta linha de pensamento, a coesão territorial e a política regional teriam de ser variáveis exógenas e poupadas à austeridade de uma macroeconomia disciplinar de curto prazo. Uma abordagem possível e viável desta Europa das Regiões corresponderia a organizar o território europeu através de uma rede de macrorregiões europeias (a península Ibérica, os países bálticos, as ilhas britânicas, a península da Escandinávia), de regiões transfronteiriças e transnacionais e de redes de cidades (capitais, temáticas, históricas). Esta Europa das Regiões e Cidades teria o mérito de ser muito mais cultural, humanística e simbólica, mas, também, muito mais colaborativa e solidária por comparação com uma Europa mais capitalista e tecno-burocrática. Agora que o esquema de desenvolvimento do espaço comunitário (EDEC) faz 20 anos seria muito interessante que a Península Ibérica se apresentasse em 2019 como candidata a uma macrorregião europeia (entre 50 e 60 milhões de habitantes) e, dessa forma, pudesse auferir dos “benefícios de rede” respetivos.

3. Uma cláusula de backstop para a coesão territorial

Nesta sequência, e agora que se discute o novo quadro financeiro plurianual (QFP) para a década 2020-2030, trago à discussão um tópico de política pública que me parece essencial para a próxima década, a saber, a ligação da política de coesão territorial à política macroeconómica da União Europeia e, sobretudo, às suas regras orçamentais. Ou, dito de outro modo, a política de coesão territorial como variável endógena da política orçamental e da gestão macroeconómica da União, qual montanha russa subindo e descendo ao sabor dos resultados orçamentais de cada Estado membro e das penalizações da União. Sendo a política de coesão territorial uma política de médio e longo prazo, ela não se compadece com uma política de “pára-arranca orçamental”, além de que abre o pretexto para uma retórica político-eleitoral oportunística que culpa a União Europeia por tudo o que acontece nesta área. Ou seja, a própria União Europeia deveria estar predisposta para desligar política de coesão e política orçamental, criando para o efeito uma “cláusula de backstop”, ela própria, evidentemente, com regras de condição e resultados.

Esta cláusula de backstop seria especialmente pertinente no caso de Portugal, pois a década que se avizinha apresenta um risco alto em matéria de gestão macroeconómica, a crer nas previsões mais conservadoras para os primeiros anos da década. Neste quadro, acresce, ainda, o peso elevado da dívida pública e privada, a falta de poupança interna e capital próprio para o investimento nacional. Assim, e no âmbito de uma estratégia de desenvolvimento para a década, creio que não deveríamos passar ao lado de matérias transversais- as reformas estruturais – que são fundamentais para a coesão territorial:

  • Que cobertura digital do país e do interior queremos para o final da década?
  • Que “país do interior”, em matéria sociodemográfica, queremos nós no final da década?
  • Que metas, em matéria de carga e esforço fiscais, queremos nós para o final da década?
  • Que regime de incentivos queremos para o federalismo municipal no final da década?
  • Que regime contratual queremos para as redes regionais de ensino superior no final da década?

Porém, para justificar a cláusula de backstop e manter a coesão territorial desligada da restrição macroeconómica, é, igualmente, necessário que mudemos o enfoque da política de valorização do interior. Aqui, o problema não é reconhecer a especificidade do interior ou dos territórios de baixa densidade, mitigando o problema e pulverizando recursos, mas, antes, reinventar a sua articulação virtuosa com o litoral e, de igual modo, redescobrir o lado virtuoso da baixa densidade de que a atividade turística, felizmente, já começou a tirar vantagem e partido. Quer dizer, para desligar a coesão da restrição macroeconómica é fundamental não deixar enquistar a coesão territorial numa política reativa de origem clientelar de base local ou regional, sob pena de fazer abortar a própria filosofia política que inspirou, inicialmente, a cláusula de backstop. Este aviso é solene, e significa que, também aqui, não há almoços grátis.

No sentido que enunciámos, o turismo é, apenas, a atividade motora que abre o interior ao mundo, mas outras atividades deverão ser atraídas para essa nova constelação e economia de aglomeração. Dou aqui alguns exemplos de atividades que importará animar e seguir de perto: a promoção de residências secundárias devidamente enquadradas nas nossas cidades, vilas e aldeias, a disponibilidade de residências de trânsito para os nómadas digitais e outras profissões livres associadas, a disponibilidade de cuidados ambulatórios e serviços polivalentes, as redes locais de abastecimento alimentar enquadradas nas estruturas ecológicas municipais e em parques agroecológicos intermunicipais, as agriculturas de nicho promovidas como representação e marca dos lugares, os parques biológicos e ambientais como lugares privilegiados de visitação ecoturística, a promoção das quintas pedagógicas e terapêuticas como lugares de reabilitação e trabalho voluntário, a recuperação da agro-silvo-pastorícia do montado como lugar simbólico da vida campestre, os centros de ecologia funcional como lugares de reabilitação de solos, habitats, paisagens e ecossistemas, finalmente, os campos de férias, trabalho e aventura promovidos como lugares de intercâmbio juvenil e estudantil ao longo de todo o ano.

Neste sentido, o instrumento da cooperação territorial descentralizada, sob a forma de euro-regiões, euro-cidades e outros agrupamentos de cooperação territorial, poderia ser um contributo inestimável para o valor acrescentado da política de coesão territorial, sobretudo, se pensarmos na revolução digital e na contribuição da economia das plataformas para a inteligência coletiva das redes de cidades e regiões.

4. As redes de euro-regiões e euro-cidades, uma nova inteligência coletiva

Estamos no início de 2019. Os modelos convencionais de política de coesão territorial parecem estar esgotados, pois são “filhos crescidos” de várias gerações de quadros comunitários de apoio. De um lado, procura-se uma “afetação mais temática e transversal”, para crescer depressa e melhorar a competitividade global, o que, na prática, favorece mais os territórios já competitivos, de outro, procura-se uma “afetação mais distributiva e regional” que, todavia, apenas proporciona um crescimento lento e não dá garantias de poder resolver os problemas estruturais das regiões menos desenvolvidas.

Aqui chegados, a continuidade da política estrutural europeia, pressionada de fora para dentro, tal como a conhecemos hoje, não é eficaz e está posta em causa porque gera desequilíbrios e assimetrias na coesão interna da Europa das Regiões.  Por isso, nós dizemos que a vitalidade das culturas locais e regionais e a sua cooperação territorial descentralizada são necessárias para trazer um suplemento de alma à construção do projeto europeu. E porque aquelas culturas locais e regionais irão acrescentar a sua legitimidade política própria em razão, justamente, das assimetrias criadas, estamos, digamos, obrigados a cuidar e refazer a nossa imagem da representação territorial tendo em vista um novo patamar de relacionamento e desenvolvimento entre as instituições europeias e as euro-regiões e euro-cidades no quadro de uma territorialidade europeia mais policêntrica e descentralizada.

Esta territorialidade europeia poderia assumir a forma de um New Deal cooperativo e colaborativo, financiado por uma engenharia financeira muito mais imaginativa oriunda da “era das multidões e do financiamento participativo” e ligando macrorregiões europeias, euro-regiões, redes de cidades, de universidades, de associações empresariais, de centros de investigação, de instituições sociais e culturais de todo o tipo, tendo em vista criar capital social e capital simbólico especificamente europeus e, assim, dar corpo, substância e significado ao conceito e à prática de cidadania europeia multiterritorial.

Os exemplos deste New Deal, ao mesmo tempo territorialista e cosmopolita, já existem e poderiam abranger aquilo que, seguramente, seriam exemplos eloquentes de inteligência coletiva e economia de redes: o reforço dos programas de mobilidade de estudantes e investigadores; a responsabilidade social de todas as iniciativas e projetos financiados com fundos comunitários (inclusão de refugiados);  o voluntariado e a solidariedade europeias para com os grandes riscos globais e os bens comuns da humanidade; um direito específico europeu para lidar com os projetos transfronteiriços e transnacionais (integração de refugiados); um direito próprio e um quadro de cooperação apropriados para as redes de autarquias locais e regionais; um programa europeu de saúde para a mobilidade  dos “grandes doentes e deficientes”; uma abordagem comum europeia aos serviços de interesse económico geral; o reforço dos programas europeu de combate à desertificação e economia circular; um programa europeu de iniciativas locais de emprego visando a integração dos desempregados de longa duração; um direito empresarial especificamente europeu para iniciativas conjuntas, a preparação do “quarto setor” tendo em vista a chegada da revolução digital, as primeiras experiências relativas ao rendimento básico universal. Mas esta é outra Europa, não é!?

Notas Finais

Para lá do labirinto político-institucional que é a atual União Europeia, reduzida, também por isso, a um governo de diretório franco-alemão, já sabemos que pesa sobre a União Europeia uma elevada contingência (Covas, 2016) que poderíamos resumir do seguinte modo: um elevado risco externo em matéria de segurança coletiva, uma crise de refugiados e imigração que pode explodir ainda mais, uma nova crise nos mercados financeiros, uma redução do envelope orçamental em virtude do Brexit e uma reafectação do envelope com sérias consequências sobre a paz interna da União e as suas regiões em particular, uma mudança da política monetária do BCE que apele mais à “política orçamental” da União, finalmente, uma reafectação de recursos para a defesa e segurança, sobretudo se a NATO começar a pecar por falta de comparência.

Perante estes riscos elevados não podemos excluir a possibilidade real de um reajustamento em baixa do projeto europeu, para corresponder às atuais expectativas da opinião pública europeia e para calibrar melhor os fins e os meios da construção europeia. Do mesmo modo, também, para acomodar a saída do Reino Unido e, nessa lógica, para traçar uma nova ambição para a União Europeia, não na direção federal, mas na direção intergovernamental, se quisermos, mais liberal, regulatória e, também, mais barata. Na atual conjuntura histórica, é preciso conceder-lhe o benefício da dúvida. E se, no final, uma reforma mais austera, mas, também, mais imaginativa, à boleia do Brexit, servisse para demonstrar que a via intergovernamental pode ser mais eficaz e efetiva do que uma reforma federal, sempre mais burocrática, labiríntica e corporativa? E se, com o mesmo orçamento, fosse possível fazer mais e melhor, usando, por exemplo, a transformação digital da economia europeia, as redes de regiões e cidades, as economias de rede na realização dos bens comuns da sociedade colaborativa europeia? Esta é, face às atuais circunstâncias político-económicas, uma saída com um grau elevado de probabilidade.

No lado mais integracionista, a duas velocidades, dentro e fora da zona euro, o exercício afigura-se politicamente mais complexo, mas não impossível. Se o condomínio ou diretório franco-alemão se mantiver unido, poderemos ter um modelo plural que consente diversas velocidades e formatos de integração. Por um lado, o núcleo duro da zona euro com um orçamento de natureza federal apropriado, por outro, cooperações estruturadas com outros Estados membros de acordo com uma matriz mais contratual e regulatória e linhas orçamentais específicas para cada caso. No limite, o núcleo duro, para evitar uma “Europa à la carte”, poderia criar dois ou três modelos de integração diferenciada para distintos grupos de países e indicar qual o modelo de relacionamento institucional em cada caso. É muito provável que se fizesse mais e melhor com menos. É, digamos, uma hipótese de trabalho com um grau de verosimilhança interessante para uma Europa com convicções muito diferenciadas entre vários grupos de estados membros.

Não obstante, a próxima composição política do Parlamento Europeu (eleições de maio de 2019), com a ascensão de muitos partidos eurocéticos de cariz populista, deixa pairar algumas nuvens negras sobre o futuro do projeto europeu, embora, como sabemos, as instituições europeias tenham a virtude de transformar problemas graves em problemas crónicos. Com efeito, a eventual pulverização político-partidária do Parlamento Europeu e a recomposição governativa em alguns estados membros, com base em movimentos e partidos de cariz populista, colocarão, muito provavelmente, a política europeia na defensiva face a posicionamentos mais nacionalistas e protecionistas. Neste contexto, as euro-regiões, as redes de cidades e os agrupamentos europeus de cooperação territorial são uma espécie de agenda oculta para realizar com a descrição necessária e conveniente, e tanto mais quanto permanecem problemas sérios de autonomia e separatismo regionalistas em alguns estados membros. Não é de excluir, também, que as questões de competitividade e regulação entrem em rota de colisão com a família das chamadas políticas de coesão territorial e que, neste alinhamento, assistamos à emergência de uma nova geração de desigualdades regionais que, afinal, alimentará a próxima vaga nacionalista e regionalista.

No mesmo sentido, temas novos de política de coesão e cooperação territorial como a infraestruturação digital, a economia das plataformas, a organização das redes de cidades, a estruturação dos mercados de trabalho na era digital e a economia social do “quarto setor”, terão muito mais dificuldades em ver a luz do dia. E assim sendo, será um novo ciclo da política de coesão territorial para 2030 que ficará em compasso de espera.

Universidade do Algarve