O 24º Congresso Nacional do Partido Socialista trouxe ao país a narrativa da cabala, da vitimização, do apontar de culpas a todos, todos, todos, menos aos próprios.

A narrativa estava orquestrada e várias figuras importantes do PS transmitiram em Congresso, bem como aos órgãos de comunicação social, que o país havia mergulhado numa crise por culpa de terceiros, apontando o dedo à direita, claro está, e a Marcelo, que não escapou ileso da prosa.

O modelo escolhido pelos socialistas para iniciar o novo capítulo baseia-se numa postura alheada da realidade, omitindo culpas, derivas e responsabilidades, e assumindo uma postura “calimera” a qual, em rigor, a enganar alguém, será somente os mais incautos e crédulos irredutíveis das rosas.

Factos são factos e estes assumem uma característica única, são teimosos.

E por serem-no deixam rasto.

Ora, a deriva governativa, os sucessivos casos, as sucessivas demissões dentro do governo, poderiam conduzir a uma assunção de culpas e responsabilidades em sede de Congresso. Teria ficado bem ao PS fazê-lo. Julgo, inclusive, que o PS teria ganho com isso, provendo a humildade de quem se abeira do eleitorado assumindo o que de errado se fez, as escolhas que correram menos bem, e quiçá dando uma nota de esperança para o futuro e o propósito de não se cair de novo em más escolhas políticas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

É que os factos, teimosos, dizem-nos que a legislatura não foi apenas pejada de casos e casinhos. A par, houve casos muito sérios e de índole judicial.

Escamotear a realidade, por um lado, e adulterando-a, por outro, é um mau presságio para Pedro Nuno Santos.

Sem embargo e apesar dos pesares, as sondagens dão nota de que o Partido Socialista pode vencer as eleições de março. De outro modo, apesar da hecatombe socialista, os adversários políticos do PS parecem não convencer o eleitorado. É certo que a campanha eleitoral ainda não teve o seu início, mas seria expectável que Montenegro já tivesse disparado nas sondagens.

E se tal não aconteceu, tal deve-se exclusivamente à absoluta ausência de carisma do líder social-democrata. Montenegro foi um excelente líder da bancada parlamentar do PSD, mas nunca foi um bom líder.

Há algo nele que não inspira confiança. Aliás, nem aos próprios militantes sociais-democratas. É verdade que não há tempo para mais, e resta-lhes prestar juras de amor eterno ao líder, sabendo-se de antemão que, caso Pedro Nuno vença em março, Montenegro tem os dias contados, e aqueles que lhe prestaram juras, serão os primeiros as desfazê-las.

E nem a prevista decisão de se aliar ao CDS lhe confere maiores expetativas. É que a nova AD não tem rigorosamente nada a ver com o contexto da antiga AD, de 1979. Como bem escreveu Rui Ramos aqui no Observador, “em 1979, o CDS trazia 16% dos votos; agora, traz 1,6%.”

Pior. O CDS empenha decisivamente a sua verdadeira essência, abdicando de ir a votos por um par de lentilhas. Na verdade, dois e somente dois são os lugares que o PSD lhe consignou. Se penarmos que um deles está adjudicado a Nuno Melo, com muita clareza se percebe que muitos quadros (que o CDS efetivamente tem) que ficam de fora da equação parlamentar. E que pena é. Por exemplo, Cecília Meireles, uma parlamentar de grande categoria que o CDS prescinde com a negociação tida.

Dirão alguns, como li, foi a forma de garantir que o CDS volta a ter lugar na Assembleia da República sem ir a votos. Bom, visto desta forma não há como o negar.  Mas é uma pena o CDS não ir à luta, por si, com os seus trunfos, as suas políticas, os seus quadros e almejar melhor resultado que nas legislativas de 2022. Até porque mudou a liderança a qual, na verdade, ainda não fez prova de vida. Nem fará.

Por último, a incógnita que é o Partido Chega. Ventura tem crescido exponencialmente, conquistado militantes de outros quadrantes políticos (o Chega tem hoje mais de 50 mil militantes efetivos, muitos deles vindos do PSD), subido nas intenções de voto e ambiciona chegar a Primeiro-Ministro de Portugal. Tem cavalgado nas sondagens e até março tem espaço livre de crescimento. Tem um carisma inigualável que atrai da direita à esquerda. É a grande incógnita nestas legislativas.

E sendo uma incógnita no que tange ao número de votantes (aspira a mais de 20%), parece assumir desde já uma posição decisiva: sem o Chega não haverá governo de direita. É uma realidade que nem a AD conseguirá secar.

E se IL e PSD criticam o Chega por uma incessante postura participativa na governação para apoiar um governo de direita, direi que não há motivação alguma para que o partido de André Ventura hipoteque ou empenhe o seu apoio a quem, ab initio, não quis contar com ele. Não faz sentido absolutamente algum. De outro modo, se há linhas vermelhas ao Chega, por que razão acusar este partido de não apoiar parlamentarmente um governo de direita que não o considere parte integrante?

CDU, LIVRE, PAN e IL serão de um campeonato menor e merecerão destaque num outro artigo.

Por ora, este é o enquadramento político inicial. O tiro de partida está prestes a ser dado. Votos de uma campanha limpa e, acima de tudo, esclarecedora. Nós, portugueses, merecemos mais da classe política do que aquilo que ela nos tem dado.  Haja noção disto.