Havia um sketch do Gato Fedorento, daqueles que deixaram saudades, em que uma claque de futebol explicava ao repórter, em pleno estádio, que ficava algo triste quando a equipa que apoiava estava em vantagem no jogo, pois isso deixava a equipa adversária aborrecida. Preocupavam-se – mais do que com a vitória da partida – com o bem-estar do árbitro e explicavam, compungidos: “a nossa claque não entra no campo do desagradável”. Ainda que se vissem forçados, de quando em vez, a entoar cânticos de protesto perante erros clamorosos do juiz da partida, e então entoavam em coro: “o árbitro foi extremamente incorrecto”!… “o árbitro foi extremamente incorrecto”!….

Ora, parece que está marcada para amanhã, Sábado, dia 19 de Maio, uma manifestação de professores contra o congelamento da contagem de tempo de serviço, destinada a obrigar o Governo a ponderar e a inflectir a sua posição acerca do assunto.

“Não vamos fazer num dia da semana, não vamos fazer um pré-aviso de greve, não vai afectar as escolas”, explicou Mário Nogueira. O que disse, por outras palavras, foi, sem tirar nem pôr, que a FENPROF não entrará no campo do desagradável – como seria, por ex., a inconcebível e peregrina ideia de fazer greve aos exames nacionais, prejudicando seriamente a vida de milhares de estudantes e suas famílias.

De resto, o líder sindical acrescentou um esclarecimento: “se ponderamos um novo protesto depois das avaliações? Claro. Se houver novas formas de luta com certeza que não serão em Agosto”, denunciando, com a sua ironia fina, as verdadeiras intenções da estrutura que dirige e o grau de compromisso que coloca nas iniciativas de “protesto” que convoca hoje em dia.

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É louvável, na verdade, esta perspectiva de quem quer reivindicar sem afrontar nem agastar o interlocutor, de quem se reclama credor mas não concebe chamar caloteiro ao devedor, não vá ele sentir-se arreliado.

Mário Nogueira, como sempre um precursor e um inovador, acaba de inaugurar uma nova esquerda. A esquerda do protesto fofinho, que não quer ser incómoda nem desagradável para o Governo e apenas pedir-lhe, delicadamente e por favor, que pondere. Excelente!

Gostei tanto, aliás, desta maneira de ver as coisas que me atrevo a deixar algumas sugestões para manifestações, greves e protestos futuros, eivados de boas intenções e prenhes de respeitinho. São protestos fofinhos.

Para a FENPROF: protestar contra a mobilidade garantindo que nenhum professor deslocado usará a buzina enquanto palmilha os quilómetros necessários às deslocações para as escolas.

Para os médicos: reclamar melhores condições para os hospitais públicos fazendo greve de zelo ao transporte do estetoscópio – que passará exclusivamente a ser carregado no bolso da bata, jamais ao pescoço!

Para os enfermeiros: exigir salários mais dignos, através da ameaça de não voltarem a dizer “bom dia” aos porteiros dos estabelecimentos de saúde.

Para os hospedeiros de bordo: protestar contra as políticas laborais da RYANAIR deixando de ouvir toda e qualquer música composta por irlandeses (incluindo, note-se, para além dos U2 e de Enya, o próprio Van Morrison).

Para os metalúrgicos: clamar por condições de trabalho mais dignas por meio de palavras de ordem inscritas em cartazes exclusivamente de plástico.

Para os lesados do BES: gritar (não demasiado alto) exigências de justiça e de devolução dos seus investimentos ruinosos utilizando adjectivos dignos e compatíveis com a posição social do Dr. Ricardo Salgado (exemplos: “insensível”, “alheado” ou “descomprometido”), sempre com pronúncia típica da linha.

Finalmente, para o coelhinho da Páscoa: fazer, decidida e definitivamente, greve ao Natal.

E assim – ninguém duvide – Portugal será um lugar melhor para viver, numa nova era de protestos fofinhos, inaugurada pelo não menos fofinho Mário Nogueira e a que a esquerda pós moderna irá com certeza aderir. Todos nós agradecemos e o mapa cor-de-rosa que aí vem também.