As crises políticas devem ter como principal objetivo, para além de uma reflexão profunda sobre como todo o sistema levou a essa mesma crise, perceber os erros cometidos e batalhar para devolver aos cidadãos a confiança necessária nas instituições e na democracia. É o sistema democrático e o próprio regime que perde com os fracos políticos que levam às sucessivas crises. Temo que, com a continuidade das mesmas caras de sempre, que nada de novo trazem ao sistema, e com provas dadas da sua incompetência política, a democracia não resista, cedendo à tentação dos extremismos. São eles os únicos ganhadores com a deplorável situação a que nos conduziram. Para eles é suficiente somente acontecer.

Hoje muito se fala da politização da justiça bem como da judicialização da política. Misturam-se poderes que se querem independentes e na opinião pública repetem-se mantras até à exaustão.

Um dos princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático é a separação de poderes e a sua total independência, porém, por mais que a política e os seus agentes digam que não interferem no sistema judicial, a realidade mostra-nos coisa diferente. E não, não é uma realidade subjectiva, é mesmo uma verdade, um facto inegável e normalmente aceite por parte do poder político. Mas não é, nem deveria ser, aceite pelo cidadão comum.

Fala-vos do Tribunal Constitucional e da forma como é composto. Este contra-poder é de facto” politizado”. É por muitos intitulado de contra-poder porque este órgão de soberania tem o capacidade de revogar leis do parlamento eleito pelo povo em nome da legalidade constitucional.

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Não entrando na esfera da competência pessoal de cada juíz, é de discutir a forma como são eleitos e como isso pode influenciar a imagem da justiça no quadro da separação de poderes e na ideia que o cidadão pode ter dela.

O Tribunal Constitucional tem como função primordial alegar questões de natureza jurídico-constitucional apreciando a ilegalidade e a inconstitucionalidade das normas emanadas da Assembleia da República.

A sua composição é de 13 juízes, sendo que 10 deles são designados pelo Parlamento e os restantes 3 são cooptados pelos 10 designados.

Ou seja, o órgão que fiscaliza as Leis da República é nomeado pelo órgão – abstratamente – fiscalizado.

Sobre os juízes que são cooptados a estranheza é ainda maior, já que há uma clara e total obscuridade na sua eleição.

Se, já por si, a escolha dos 10 juízes pela Assembleia da República é legitimamente questionável do posto de vista daquilo da substância e do alcance que deve ter a separação de poderes, muito embora se possa escrutinar publicamente os nomes daqueles juízes aquando da proposta que é levada à comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias – na sua cooptação, que provem da escolha dos eleitos, nada se sabe, escondendo-se do cidadão a razão da escolha de A em vez de B. Um processo totalmente opaco contra tudo aquilo que a justiça deve ser.

Para que melhor se perceba, vejamos como foi a última nomeação de quatro juízes para o Tribunal Constitucional em 2021. Assim, José Figueiredo Dias , Maria Benedita Urbano e Afonso Patrão foram eleitos por proposta do PSD e António José Ascensão Ramos, veio pelo mão do PS. De referir, que o mandato de juiz durará por nove anos e não é renovável (vide art.222.nr.3 da Constituição da República Portuguesa).

Isto é uma total inversão do princípio da separação de poderes que dá ao cidadão a percepção de que confiar na justiça – na óptica da sua independência – é irreal. É irreal, pelos argumentos atrás aduzidos.

Não será despiciendo afirmar-se com um grau elevado de legitimidade que o Tribunal Constitucional é uma extensão da Assembleia da República do ponto de vista, repito, não da competência pessoal, mas do ângulo de transparência pública.

Será que manter esta forma de composição de um dos mais importantes órgãos de soberania dá ao cidadão a confiança que a justiça merece? A esta pergunta o poder político dá uma reposta clara e não se pode escudar em outro qualquer argumento senão este mesmo. Sim, o poder político que fez a lei é que escolhe pelo menos 10 juízes para um órgão de soberania “independente”. O próprio órgão perde a sua independência, formal e nunca substancial e material, quando a sua composição vem de uma nomeação directa da Assembleia da República.

Aproveitando a crise política que atravessamos, num achincalhar público do estado da justiça e na tentativa de uma pacificação política e também judicial, seria de rever – por via da revisão da constituição – toda a forma de composição do Tribunal Constitucional,para dar uma percepção de uma independência objetiva, como sempre é desejável e como substância directa do significado da separação de poderes.

O poder político, ao continuar com esta forma de composição do Tribunal Constitucional, afasta o cidadão da confiança na justiça.

Se começarmos por aqui, talvez possamos caminhar para um outro sentido de marcha e levar a justiça para onde ele deve ser encaminhada. Para o cidadão.