A arte é coisa imanente,
Não se ensina,
Não se aprende,
Nasce e morre com a gente.

A estrofe transcrita é de António Aleixo, um dos poucos poetas populares dignos desse nome em Portugal, ganhou um novo e inesperado companheiro nesse restrito mas honroso panteão. Rui Rio resolveu reentrar na campanha expondo os seus dotes de poeta popular e suscitando comparações com aquele mestre.

Mas vamos por partes – numa análise fria e desapaixonada, o “poema do Pontal” de Rio é no mínimo uma tristeza, uma revelação de “pobreza Franciscana” levada ao extremo e a exaltação que suscitou resulta apenas da circunstância de Rui Rio não estar no Algarve, mas no deserto. Esse deserto – já aqui o disse mas o decurso do tempo confirma-o, infelizmente, todos os dias – é de ideias, de propostas, de pessoas, de projectos e será também, necessariamente, um deserto de votos, como rapidamente veremos.

Mas a verdade é que, descontadas essas minudências, António Aleixo tem razão – artistas genuínos não nos faltam. Basta atentar na gestão recente do ménage à trois entre António Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa para perceber a profusão de artistas assinalável que vai neste país – com cada um deles a competir ferozmente pelo título da maior criatividade, pelo globo de ouro da acrobacia e pelo óscar da pele de cordeiro.

O camarada Jerónimo, algo exangue mas sempre estóico, esforça-se por se demarcar de um Governo que foi e é o seu, envergonhado com os insuficientes “progressos” do “Governo minoritário do PS” e com o fim de ciclo que o seu PCP (se não o PCP tout court) está a vivenciar, num estertor inevitável de um estranho e anacrónico objecto ideológico.

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A camarada Catarina, furiosa com os ares de independência do vértice preponderante do tal ménage à trois, deparou-se com a tarefa hercúlea e ingrata de ter de colar um rótulo ao seu partido, procurando espanar o pó da ambiguidade e da indefinição, porque as visitas podem não gostar e a casa tem de estar arrumada para as eleições. Vai daí, atreveu-se a proclamar que “o programa do BE é social-democrata”.

Ficam-lhe bem os ares de seriedade e a pose de Estado, que aparecem em jeito de golpe final sobre o pescoço de Rui Rio, pagando para ver se é verdade que o Bloco pode ultrapassar o PSD em Lisboa. Mas suspeito que a quadratura deste círculo seja um exercício demasiado imaginoso e herético para os aficionados do PSR, da Política XXI e para o camarada Louçã. Ou então não, porque agora vale mesmo tudo, neste mundo artístico.

António Costa, o artista-mor do reino, entretanto, prossegue a sua estratégia de mais-do-mesmo: promove ciúmes encarniçados entre os outros dois vértices do aludido ménage à trois, ao ritmo a que distribui elogios rasgados e puxões de orelhas; deixa a governação do país totalmente entregue ao barco da conjuntura externa, com a populaça distraída com as greves e os pardais; repudia as maiorias absolutas do passado e anseia pela do futuro.

Em resumo: o PCP arrasta-se, com paciência revolucionária, entre o apoio ao Governo e a pulsão contestatária, continuando a propor-se “Libertar Portugal do imperialismo”.

O Bloco, cristão-novo da social-democracia, aprofunda o seu caminho de faz-de-conta, de lobo com pele de cordeiro, que tão bons resultados tem dado, e arvora-se em força política respeitável e respeitadora, enquanto propugna a nacionalização da EDP, da REN e da ANA, entre outras.

E o PS, timonado pela bicefalia Costa-Centeno, oferece-nos os piores serviços públicos de sempre a troco de um crescimento anémico (e inferior ao dos países da UE que connosco competem) e da maior carga fiscal de todos os tempos. E proclama que é este o melhor dos mundos e que é assim que devemos continuar.

A palavra final, devolvo-a a Aleixo:

Ser artista é ser alguém!
Que bonito é ser artista…