Os auto-colantes são aplicações que se destacam de uma pequena placa protectora e que aderem instantaneamente a uma superfície, em consequência de uma das faces estar coberta por uma substância adesiva. Mas não deixa de ser curioso como o discurso público pareça  assentar, muitas vezes, noutro tipo de autocolantes. Que são ideias soltas que se colam aquilo que se repete. E que pretendem colorir, com uma aragem de modernidade, o que se faz de igual.

Dos autocolantes mais em voga, desde há dois anos, o que mais se destaca será o da saúde mental. Seja como for, no entretanto, e apesar do autocolante, as crianças continuam a trabalhar as mesmas 12 horas por dia. A viver debaixo duma exigência doentia de resultados. E a brincar cada vez menos, mesmo ao fim de semana. Os pais continuam a ter as mesmas horas insanas de trabalho e a viver numa espiral inflaccionista. E acumulam stress e sofrimentos com que perdem, todos os dias, qualidade de vida. E os livros sobre qualquer coisa na órbita da saúde mental multiplicam-se, quer quando a resumem ao controle das emoções. À força da mente. A regras, hábitos, respirações, meditações e outras “mesinhas” num registo “faça você mesmo”, que “vendem” a saúde mental como qualquer coisa de simples, fácil, óbvio e rápido… que é mentira. E que, em vez de promoverem a saúde mental, a tornam opaca e a comprometem.

A saúde mental exige que nos conheçamos sempre um pouco melhor. Que sejamos mais verdadeiros connosco e com os outros. Supõe que falemos daquilo que sentimos. Que estimemos e cultivemos as relações. Que olhemos por nós. E para a frente e para trás. Que tenhamos tempo. Que cuidemos de sonhos e de projectos. Que tenhamos, pelo menos, um “vou por aqui”. Que sejamos humildes. Que saibamos escutar. Que não sejamos indiferentes à bondade e à beleza. Que não deixemos que o controle nos parta entre uma parte que sente e outra que “domestica” emoções e sentimentos. Que trabalhemos para que a nossa vida tenha a nossa cara. Que ousemos ser pessoas melhores. E que pensemos! Sozinhos ou com ajuda. Mas se há um aspecto sério nisto tudo é que a saúde mental não é um autocolante que disfarce tudo o resto que não muda.

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Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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