Hoje, gostava de falar convosco acerca dos défices de atenção. Não daquela epidemia mais ou menos atípica que durante algum tempo parecia assolar uma imensidão de crianças em idade escolar. Independentemente das horas que elas trabalhavam. Das matérias de que não gostavam. Dos professores assim-assim que também tinham. Do tempo de recreio que não lhes davam. Do stress das suas agendas, de todos os dias. Do tempo em que não brincavam. Da forma como viviam agarradas a ecrãs e a videojogos. Dos resultados escolares que lhes eram exigidos. Da pressa com que as queríamos a crescer. E de uma certa ideologia que imagina que as crianças devem ser “certinhas”, quietas e caladas. Como se a atenção não fosse uma consensualidade de sentidos. E a concentração fosse um botão que se liga e se desliga. Independentemente do cansaço. Da agitação em que se vive. Da oscilação entre a contenção e o impulso para onde as empurramos. E da admiração e do respeito que elas tivessem pelas pessoas com quem cresciam.

Hoje, gostava, antes, de falar convosco dos défices de atenção dos adultos. Daqueles que adormecem e acordam agarrados às redes sociais. Que vivem tão dependentes do telemóvel como qualquer adolescente “viciado” em ecrãs. Que, mal entram no carro, sintonizam o rádio num programa bem disposto que os convide a não pensar. Que, logo que chegam a casa, ligam a televisão. Que postam e postam sobre tudo e mais alguma coisa. Que põem imensos likes e entram nas ondas das opiniões digitais duma forma frenética e incansável. Que não namoram. Que vivem atolados em contas, compromissos e objectivos. A quem lhes é pedido que “vistam a camisola”, são mal vistos quando cumprem, escrupulosamente, o seu horário de trabalho e que o levam para casa e para o fim de semana. E que têm a “obrigação” de criarem filhos sem problemas, cheios de sucesso e com o seu quê de “líderes”. Cercados por receitas do género: “vá atrás do que eles exigem, não grite e não se zangue”.

Com exemplos de tanta agitação, de tanta “perfeição” e de tanta solidão, como é que podemos estar atentos para o que é importante e haver, ainda, quem “exija”, todos os dias, aos pais e aos filhos, que sejam amigos da saúde mental?…

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Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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