Vivemos num País em que, se por um lado o subsídio de desemprego é contabilizado para atribuição de abono de família, por outro, o Governo “oferece” €50 a todas as crianças e jovens, independentemente dos rendimentos dos pais.

Dois exemplos: A família A é monoparental. Um adulto e uma menor com 16 anos. Aufere um rendimento mensal bruto de €1050 (em termos líquidos com subsídio de almoço incluído recebe €930). Habita em casa alugada, paga uma renda mensal de €450. Na entrega do IRS, pode abater o máximo de €502 da renda paga. A Segurança Social atribuiu ao menor o escalão B de abono de família (e consequentemente Bolsa de Estudo). Esta família. a partir de janeiro de 2023 e de acordo com as medidas anunciadas pelo Governo vai receber €100 por mês (atribuídos a jovens até aos 18 anos).

A família B é também monoparental. Um adulto e um menor com 17 anos. Aufere uma prestação social de desemprego mensal de €900. Habita em casa própria, pagando ao banco a prestação mensal de €500 (e demais encargos inerentes ao imóvel que possui). Na entrega do IRS pode abater unicamente máximo de 15% do valor dos juros do empréstimo bancário (até ao limite de €296 por ano). A Segurança Social atribui a este menor o escalão C de abono de família. Porque este agregado teve a “ousadia” de, no passado, adquirir uma habitação própria e permanente e, não obstante estar atualmente em situação involuntária de desemprego, a Segurança Social na sua imensa sabedoria entende designar de “rendimento predial” 5% do valor patrimonial da casa, e acrescer a este pseudo rendimento o montante atribuído ao subsídio de desemprego. Na prática e aos olhos da Segurança Social, toda e qualquer pessoa que tenha casa própria (ainda que esteja a dever mais duas décadas à banca) é contabilizado 5% do valor patrimonial da mesma como “rendimento”. A partir de janeiro de 2023 esta família não vai receber nada porque o menor – estudante – completa 18 anos em 2022.

Os beneficiários dos escalões A e B de abono de família são as crianças e jovens que até à gratuidade dos passes em Lisboa tinham descontos substanciais no mesmo; são as crianças que pagam mensalidades reduzidas nos CAF’s e ATL’s das escolas básicas; que têm uma bolsa para gastarem em material escolar nas papelarias das escolas; são a faixa da população que durante a pandemia – e felizmente – recebeu computadores e refeições grátis das escolas (das quais podem usufruir o ano inteiro); são os jovens que se podem candidatar com (relativa) facilidade a Bolsas de Estudo. Os beneficiários do escalão C não têm direito a nada. O Estado reconhece que são famílias em dificuldade, mas não o suficiente para serem vistos como um todo.  Mas se a Segurança Social nas suas imensas fórmulas e “designações” atribui este escalão porque os rendimentos per capita do agregado são relativamente baixos, qual a razão destes agregados serem considerados “ricos” ao lado dos restantes beneficiários?

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A família A e a família B têm algo em comum: em Outubro vão receber €125 por adulto, acrescidos de €50 pelos dependentes. Mas estes €50 são atribuídos a todas as crianças e jovens até aos 24 anos, independentemente dos rendimentos das famílias. Ou seja, um casal pode ganhar €5000 por mês, e recebe €50 por cada filho. A família A e a família B – à semelhança de milhares de famílias portuguesas – confrontam-se diariamente com dificuldades e vão receber os mesmos €50.

Resta saber se a Segurança Social vai contabilizar os €125 e os €50 para efeitos de (des)atribuição de abono de família em 2023. É que neste País o que hoje é real, amanhã pode não ser.