Os governos que tivemos ao longo das últimas duas décadas foram subservientes ao tratado de Bolonha, que exigiu aos professores frequentar um mestrado durante dois anos, com grandes custos de propina para terem acesso à carreira de docentes, mas que serviu ao mesmo tempo de bloqueador para os milhares de “aspirantes” a professores.

Além desta subserviência dos governantes às políticas vindas da Europa, os governos cederam também ao discurso arrogante dos sindicatos que trataram e ainda tratam com desdém uma grande parte de professores “sem voz”, que é licenciada num período pré-Bolonha e pós-Bolonha, e a quem esta questão do reconhecimento dos anos de serviço em atraso não diz nada, pois a única reivindicação que pretendem ver cumprida é a de serem integrados na carreira ao fim de décadas de espera.

Numa altura, ainda anterior à entrada em funcionamento do tratado de Bolonha no ano 1999, a profissionalização que dava acesso à carreira de professor baseava-se somente no aproveitamento em 3 disciplinas pedagógicas que se completavam no decorrer de um ano, a par de outras disciplinas científicas durante o último ano da licenciatura do curso.

Era com base no aproveitamento destas 3 disciplinas e na frequência de estágio remunerado numa escola que, na minha altura (pré-Bolonha), se fazia a profissionalização de um professor, somente durante o decorrer de um ano letivo.

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É curioso, mas ao mesmo tempo triste, constatar que, nos tempos que correm, Mário Nogueira da FENPROF e seus amigos sindicalistas se arrogam dizer que os professores da sua geração (não qualificada) foram muito bem preparados, quando na altura em que foram estudantes tiveram uma profissionalização bastante facilitada.

Seria bom que a sociedade portuguesa, nesta perspetiva que referi, soubesse que os professores sindicalizados que agora reivindicam o reconhecimento do tempo de serviço gostam de contestar a entrada de professores pós-Bolonha e outros tantos com habilitação própria pré-Bolonha na carreira, mas na altura em que se licenciaram não tiveram de frequentar e pagar nenhum mestrado profissionalizante exigido pelo tratado de Bolonha, que agora dizem ser uma exigência inultrapassável aos novos professores. Pelo contrário, foram pagos pelo Estado enquanto estagiavam e se profissionalizavam.

Seria bom que a sociedade portuguesa soubesse que a classe dos professores é composta por muitas camadas “sem voz” além dos sindicalistas que nos aparecem na TV. Por exemplo, eu sou professor do ensino privado, classe que nunca foi referida na comunicação social neste ano letivo, nem por nenhum sindicato, nem por nenhum governante… apesar de ser uma classe sem nenhum estatuto económico e social que se equipare ao estatuto do professor do ensino público.

Esta é uma classe que nunca faz greve; que acarreta com mais burocracias do que o professor do ensino público junto do Ministério da Educação para ver reconhecido o seu tempo de serviço e que também é uma classe que nunca se faz ouvir nas reuniões ministeriais através de sindicalistas.

Além disto, seria bom os sindicatos lembrarem-se que, tal como eu, existem milhares de professores que são de uma geração que viu as universidades privadas florescerem como cogumelos, durante a década de 90, o que por sua vez originou que fizesse parte da geração com mais formação superior após o 25 de abril, mas sem oportunidades de emprego.

Num contexto em que temos falta de professores e, simultaneamente, gerações altamente qualificadas após o 25 de abril, como é possível os governos terem cedido aos sindicatos no impedimento do acesso à carreira de novos professores e terem permitido que qualquer licenciado, para vir a ser professor, tenha de investir milhares de euros num mestrado interminável de dois anos?

No entanto, de forma irónica, esta geração qualificada foi apelidada de geração “à rasca” porque, ao longo de décadas, estes jovens de outrora atravessaram crises económicas que os lançaram muitas vezes no desemprego, embora querendo e desejando algum dia vir a ser professores.

Foi assim que o tratado de Bolonha funcionou nestas últimas duas décadas, sempre a favor do negócio das universidades e como um bloqueador ao acesso dos licenciados para virem um dia a ser professores, o que também deu muito jeito ao discurso de sindicatos e de professores já inseridos na carreira.

Contudo, é agora com espanto que vejo o sr. ministro a dizer que as tais profissionalizações vão ser novamente acessíveis aos licenciados. Nós, os latinos, somos assim, sempre do 8 ao 80.

Pena é, sr. ministro, que os sucessivos governos tivessem demorado tanto para chegar a esta conclusão de facilitar o acesso à carreira. Ao longo destas décadas foi mais fácil ceder a Mário Nogueira e aos professores que já se encontram nos escalões mais avançados, do que atender aos interesses de várias gerações qualificadas que nunca fizeram parte das estatísticas dos escalões da carreira e que só serviram para engordar as estatísticas do subsídio de desemprego ou às vezes nem isso.

Pena é, sr. ministro, que não esteja sempre presente na cabeça dos governantes que nem tudo o que vem do estrangeiro é adequado para as necessidades dos portugueses e que as regras do tratado de Bolonha nem sempre são coincidentes com aquilo que é melhor para as nossas crianças e para as gerações futuras de Portugal.

Pena é, sr. ministro, o estado da nossa Educação.