À medida que envelhecem e perdem população, as áreas de baixa densidade (ABD) do grande interior português (165 concelhos completos e mais 20 concelhos incompletos, quase dois terços do território continental) estão obrigadas a recorrer, cada vez mais e por força das circunstâncias, à inteligência, imaginação e inovação, isto é, à criatividade dos territórios e à formação de cadeias de valor circulares (CVC). E é assim por que temos, hoje, mais tecnologias de informação e conhecimento (TIC) sobre zonas periféricas e remotas e sistemas inteligentes de informação geográfica (SIG) que nos permitem gerir esses territórios, mesmo à distância, com um mínimo de inteligência coletiva territorial, segurança, eficácia e eficiência. Ou seja, doravante, o problema do desenvolvimento territorial de áreas de baixa densidade já não é tanto uma questão de stock ou dotação de recursos aí existentes, mas mais de organização operacional do fluxo de informação e conhecimento existente e, sobretudo, de montagem criteriosa das hiperligações adequadas entre comunidades online e comunidades offline que apliquem concertadamente e com rigor no terreno concreto esse fluxo de informação e conhecimento. Esta mudança estrutural fundamental altera completamente a relação entre o ator e o sistema tal como a conhecemos durante as últimas décadas e, em especial, as relações de reciprocidade entre o ambiente urbano e o mundo rural. Neste sentido, as comunidades intermunicipais (CIM) e as redes urbanas podem revelar-se um incumbente privilegiado para a aplicação das tecnologias de informação e comunicação (TIC) e a conversão das ABD em territórios inteligentes e criativos (TIC). Vejamos os tópicos mais relevantes dessa sequência.

  1. Não há comunidades inteligentes sem estruturas associativas revigoradas

Para formar comunidades inteligentes precisamos de aumentar a intensidade-rede das estruturas associativas existentes e afinar as relações dialéticas e operacionais entre as plataformas das comunidades online e as estruturas associativas das comunidades offline. Em particular, não há plataformas e redes colaborativas sem literacia digital, ou seja, o incumbente principal das plataformas digitais colaborativas e os utilizadores finais das aplicações respetivos necessitam de formação específica para pôr o sistema operativo a funcionar.

  1. Uma carta atualizada dos sinais distintivos territoriais

Não se trata apenas do mapeamento geográfico dos sinais distintivos territoriais, mas, sobretudo, das suas funcionalidades e contribuições, reais e potenciais, para a formação de cadeias de valor circulares. Deixo aqui uma lista indicativa de sinais distintivos:

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  1. O ecossistema municipal e intermunicipal dos bens públicos e comuns
  2. As comunidades locais de energia e de mobilidade partilhada
  3. As comunidades locais de defesa e promoção do património natural e cultural
  4. As comunidades artísticas e culturais, de ofícios tradicionais e artesanato
  5. Os agroparques urbanos e a gestão do institutional food
  6. A bio economia dos parques naturais, geoparques e zonas termais
  7. As áreas integradas de gestão paisagística e os condomínios de aldeias
  8. O Cohousing, os serviços ambulatórios ao domicílio e o envelhecimento ativo
  9. As ZIF, a silvicultura preventiva, os SIG e a abordagem integrada da agrofloresta
  10. A agricultura acompanhada pela comunidade (AAC) e a agricultura urbana vertical
  11. As comunidades circulares e os empreendimentos de economia circular
  12. Os clubes, as sociedades de agricultura de grupo e a gestão agrupada multiprodutos
  13. As comunidades educativas, pedagógicas e terapêuticas em meio rural
  14. Os Bancos Colaborativos (solos, baldios, alimentação, emprego, microcrédito)
  15. Os agrupamentos europeus de cooperação transfronteiriça
  16. Os exemplos de agricultura regenerativa e permacultura
  17. As redes regionais de mercados locais
  18. As incubadoras de base rural, os laboratórios colaborativos, os living lab
  19. As cidades criativas da Unesco
  20. As marcas territoriais: Douro, Barroso, Cova da Beira, Dão Bairrada, Alqueva, etc
  1. As hiperligações entre economia produtiva e economia criativa

Os bens e serviços da economia produtiva têm ligações ao património e a paisagem, à ciência e tecnologia, ao capital humano e social, à arte e cultura, ou seja, há uma troca constante entre valores materiais e valores imateriais que precisa de ser aprofundada tendo em vista gerar cadeias de valor circulares mais estruturadas, longas, consistentes e criativas. A partir dos sinais distintivos apontados é possível fazer um trabalho de pós-produção em matéria de marketing digital, storytelling e branding territorial buscando, para o efeito, as hiperligações mais prometedoras.

  1. As bases programáticas para abordar as áreas de baixa densidade (ABD)

Para abordar as áreas de baixa densidade é indispensável dispor de um guião ou fio condutor que nos ajude a desenhar as cadeias de valor circulares e as hiperligações entre economia produtiva e economia criativa. Deixo aqui 10 bases programáticas para o efeito:

  • Programa “Em busca das sementes perdidas”: recuperação da biodiversidade local e restauração biofísica dos hotspots respetivos e dos serviços de ecossistema (base bio diversa);
  • Programa “Bio construção, bio regulação climática e eficiência energética”: materiais e tecnologias locais de construção, boas práticas em matéria de adaptação às alterações climáticas, um novo mix de energias renováveis (base climática e energética);
  • Programa “Produção e educação agroalimentar”: autoabastecimento e autogestão da produção alimentar (base alimentar);
  • Programa “Serviços ambulatórios de proximidade” e reforço dos cuidados diferenciados de saúde na base distrital,
  • Programa “Turismo de natureza”: ordenamento dos percursos e dos fluxos de visitação, dos endemismos locais aos sítios histórico-arqueológicos (a base ecoturística);
  • Programa “Floresta de fins múltiplos”: a multifuncionalidade da floresta e o seu uso múltiplo (base florestal);
  • Programa “Mobilidade suave”: o desenho de vários projetos de acessibilidade, em especial para grupos de mobilidade reduzida (base de mobilidade);
  • Programa “Microcrédito”: o crédito popular para os pequenos empreendimentos em conjugação com outros formatos financeiros (base financeira);
  • Programa “Banco de tempo”: a entreajuda entre vizinhos e amigos do projeto para um programa de voluntariado (base voluntariado);
  • Programa “Memória futura”: a arte e a cultura, em todas as suas dimensões, ao serviço do desenvolvimento integral do cidadão e da comunidade (base sociocultural).
  1. O exemplo da nova arquitetura de relações cidade-campo

À nossa frente está um novo desenho dos espaços de relação cidade-campo que a arquitetura paisagista e a engenharia biofísica, mas, também, as artes da paisagem, colocam à nossa disposição. Em três planos principais. Em primeiro lugar, os espaços rurais de produção, com a agricultura de precisão e os sistemas produtivos locais à cabeça. Em segundo lugar, os espaços rurais de consumo, com as amenidades, os sinais distintivos territoriais e os serviços de recreio, lazer e turismo na primeira linha. Em terceiro lugar, os espaços rurais colaborativos, um universo muito amplo de atividades de interface cidade-campo e onde as plataformas digitais e os novos rurais desempenham um papel fundamental. A tabela que apresento é um exemplo simples desta conexão cidade-campo.

*De acordo com os conceitos de paisagem global e continuum natural, todos estes elementos devem funcionar como infraestruturas ecológicas e corredores verdes

  1. Sem um programa integrado de desenvolvimento rural e regional não há sistema operativo eficaz nas ABD

Finalmente, sem um centro de racionalidade territorial, por exemplo, uma rede urbana ou Comunidade Intermunicipal (CIM) e um contrato-programa de desenvolvimento integrado que faça convergir no território em concreto todas as medidas de política pública de vários programas operacionais que são aplicáveis, não estarão reunidas as condições políticas, executivas e operacionais para levar a bom termo a conversão das áreas de baixa densidade (ABD) em territórios inteligentes e criativos (TIC) por via das tecnologias de informação e conhecimento (TIC)

Nota Final

E de onde vem a criatividade territorial para a formação das cadeias de valor circular? De muitas origens, tudo depende dos estímulos, por exemplo, as relações multissetoriais, a interdisciplinaridade científica e tecnológica, a cooperação multilocal, o mix energético e a gestão do mosaico paisagístico, a conversão biológica e a bio economia, o restauro dos ecossistemas e a agricultura regenerativa, a criatividade social e cultural, a inovação sistémica estimulada pelo sistema-paisagem e a formação de bio regiões. Há, portanto, muito trabalho para fazer nas ABD.