A revolta das forças policiais pode ser politicamente justificada, mas o que não tem qualquer justificação é a cobardia da ausência do ainda governo de António Costa em assumir quaisquer medidas de defesa da ordem pública, bem como dos dirigentes das polícias em deixar que os polícias passem de agentes da ordem democrática para agentes da desordem. O ministro da Administração Interna, que já mostrara a sua valia no caso do SEF e no desastre que deixa ao País no controlo dos imigrantes, foi, entretanto, dado como desaparecido.

Mas talvez o facto mais relevante da situação democrática em que vivemos tenha sido a acção dos comentadores de serviço nas televisões na noite do debate no Capitólio, que mostrou bem até que ponto o Partido Socialista teve a arte de ao longo dos anos ter colocado nos principais meios de comunicação pessoas com obvias simpatias pela esquerda em geral e pelo Partido Socialista em particular. Porque críticos da acção das polícias que invadiram ilegalmente as ruas junto ao Capitólio, numa indisfarçável e ilegal acção de afronta à ordem pública, os comentadores não encontraram nada melhor para criticar do que as palavras sobre o tema de Luís Montenegro, para concluíram com base nessas palavras que ele tinha perdido o debate.

Ou seja, António Costa, sem mesmo informar o ministro das polícias, decidiu com a ministra da Justiça melhorar as remunerações da Polícia Judiciária e das secretas, criando com isso uma óbvia e estúpida injustiça relativamente às outras forças da ordem, causa do actual estado de insubordinação, mas a vítima das críticas dos comentadores foi o líder do PSD. Pessoalmente, sou há muitos anos critico da qualidade de muitos programas de comentário das televisões, muitos que sobrevivem há demasiados anos e sempre com os mesmos, sem a qualidade e sem a independência que se desejaria, mas bens agarrados aos bons rendimentos e a fama que a actividade permite. Esta questão atinge um indisfarçável nível de carreirismo e de ausência de independência e de qualidade de muitos comentadores durante a presente campanha eleitoral.

Como não me tenho cansado de escrever, Portugal não é um País democrático devido os deputados serem escolhidos pelas hierarquias partidárias e não pelos cidadãos eleitores, mas também pelo domínio que o Partido Socialista teve a arte de introduzir na política e na sociedade portuguesas. O que na prática tem impedido a alternância democrática, razão do estado geral de crise e de desgoverno em que nos encontramos. Como hoje se sabe bem, o progresso e o desenvolvimento de qualquer sociedade depende da qualidade e da independência das instituições públicas e privadas, mas que entre nós são em grande medida controladas pelo PS.

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Esta realidade tornou-se mais visível nos debates da presente campanha em que ficaram ausentes alguns dos principais temas da economia portuguesa, em estagnação há mais de vinte anos. Exemplos: (1) ausência de investimento na indústria, nomeadamente investimento estrangeiro, que foi a base do sucesso económico de dois períodos do nosso passado como o da EFTA e do PEDIP/AutoEuropa; (2) número excessivo de muito pequenas empresas, mais de 90% do total, sendo que são na sua esmagadora maioria empresas comerciais, a tentarem sobreviver no mercado interno num clima de concorrência fortemente irracional. Empresas que morrem e nascem anualmente às dezenas de milhares, apesar dos apoios do Estado, mas sem condições de contribuírem para o desenvolvimento económico; (3) protecionismo e conservadorismo económico, tragicamente visível na política ferroviária de Pedro Nuno Santos e na recusa do comércio livre e da concorrência, o que torna Portugal uma anormalidade europeia; (4) o PRR que distribui o dinheiro pelos mais variados objectivos em vez de contribuir para reforçar os factores estratégicos do nosso desenvolvimento, como a educação e a industrialização; (5) Fiscalidade que condena o investimento estrangeiro e nacional de grandes empresas exportadoras e protecção das pequenas empresas que geralmente não pagam impostos, mas que não têm condições de fazer crescer a economia.

Uma nota final para recordar que a economia portuguesa está presentemente presa pelos arames do turismo, que ninguém pretende que acabe, mas que é necessário qualificar para poder contribuir para melhores salários e melhor produtividade, sendo que o que acontece hoje é o inverso.

São estas algumas das questões que foram deixadas de fora dos debates da presente campanha eleitoral, que tem sido conduzida para ver qual o partido que dá mais alguma coisinha ao bom povo, sem cuidar que existe uma dívida enorme, que de forma mentirosa dizem estar a diminuir, além do crescimento anémico da economia. Por alguma razão a maioria dos países da nossa dimensão da União Europeia nos estão a deixar para trás. O sonho nacional é o da árvore das patacas, distribuir sem produzir.

28-02-2024