Não vale a pena datilografar mais depressa se se cometem mais gralhas. Nem ler mais rapidamente se a compreensão e retenção diminuírem. Nem acelerar quando se vai na direção errada. Nem tomar uma decisão ou legislar em menos tempo se o resultado for um disparate ou uma injustiça.

Infelizmente, os conselhos de gerações de pais e professores, padres e psicólogos, para que haja mais reflecção antes de falar ou agir são cada vez menos seguidos. Pensar duas vezes antes de falar, contar até doze quando a irritação está a estalar, dormir bem uma noite antes de decidir, e tudo o que implica autodomínio, não está na moda. Não é problema novo, como esta crónica antiga demonstra:

“Quando o Taiko-sama [Toyotomi Hideyoshi 豊臣秀吉, c.1537—1598] encurralou Hōjō Ujimasa [北条氏政, 1538—1590] no seu bastião de Odawara, cercou-o com três grandes hostes, uma que marchou pela Estrada do Mar Oriental, outra que avançou pela Estrada das Montanhas Centrais e a terceira que veio pelo lado do mar. Acamparam, então, à volta do castelo trezentos mil soldados, uma enorme multidão de homens de duas espadas, cujas tendas se espalhavam pelos prados e colinas como uma grande cidade a perder de vista. E, uma vez que a fortaleza estava bem fornecida de vitualhas e a sua guarnição armada de uma determinação forte como o aço para resistir, Hideyoshi deu permissão aos seus oficiais para mandar vir para o acampamento as suas mulheres e concubinas, e comissionou trupes de atores e cantores, de malabaristas e todo o tipo de artistas, para entreter e divertir e animar os soldados e seus oficiais.

“Por um desses dias, o Taiko ordenou que um esplêndido espetáculo fosse dado, para o qual foi erigida uma enorme tenda, ao qual ele próprio fez questão de assistir com todos os seus generais. Quando o espetáculo estava a chegar ao clímax, com os músicos a fazer vibrar ben-ben as suas cordas, a ressoar jan-jan os seus metais, a bater don-don os seus tambores e os homens de armas a gritar e a aplaudir ritmicamente, chegou um samurai, de nome Hanabusa Sukebei [花房助兵衛, 1549—1517] um guerreiro já pesado em anos mas ainda lesto e vigoroso, com o fito de oferecer o serviço das suas duas espadas ao seu senhor, um dos generais de Hideyoshi. Era um homem da velha guarda, assíduo ao serviço e grave na conversa, reto e honesto como uma tábua de carvalho, que, ao passar em frente ao local em que a assuada se desenrolava, se sentiu vexado e ofendido pelo relaxe pouco marcial da tropa. Assim, pondo-se em sentido frente à entrada, gritou: ‘Tréguas à palhaçada! Será próprio de um grande comandante dissipar assim o vigor do braço dos seus homens?’

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“Um dos guardas, rindo-se, respondeu-lhe com a seguinte estrofe:

No teu vetusto poço,
Podes tu, ó sapo, presumir
Incomodar a luz das estrelas?

“Outro, mais sério, acrescentou: ‘O saqué caiu-te mal ao jantar? Tem cuidado, não vá o mau humor do teu refluxo trazer-te mau sabor à boca e arrependimento ao coração.’

“Gritou Sukebei raivoso: ‘Nojo! Senhor e vassalos, sois vós cobardes e dissipados? Eu conheço bem as regras da guerra e os costumes dos acampamentos! Quanto ao Taiko, se ele dá prioridade a este disparate e patrocina este despautério em vez do assunto mais grave que cá o trouxe, é caso para perguntar se não será ele quem estará encharcado de saqué, ou pior!’

“Dito isto, cuspiu no chão e, dando meia volta, marchou dali com porte arrogante e semblante carrancudo.

“Os guardas ficaram indignados com esta atitude desrespeitosa e um deles seguiu-o para determinar o seu nome e patente. Depois de o espetáculo terminar, o incidente foi reportado. Quando o Hideyoshi ouviu isto, enraiveceu-se com extremo de ira, ao ponto de pontapear os zabuton que se encontravam no chão. Depois, mandando chamar o general que era suserano de Sukebei, cujo nome era Uesugi Kagekatsu [上杉景勝, 1556—1623], deu-lhe as seguintes ordens: ‘Vai e agarra o teu homem, chamado Sukebei, que se atreveu a insultar-me. Arrasta-o para fora do acampamento e crucifica-o de cabeça para baixo.’

“O general foi cumprir a ordem contrariado, arrastando suna-suna os pés, lenta e amarguradamente, pois sabia que o ofensor era um guerreiro honrado e alma justa, se bem que inflexível e quezilento.

“Mas antes de chegar aos seus aposentos foi alcançado por um mensageiro do Taiko com a intimação de comparecer outra vez à sua presença. Pensou ele: ‘Pobre fado o meu! Tal é a sua raiva que se esqueceu de ordenar o meu esventramento como dupla expiação da ofensa do meu vassalo; agora, com certeza vai corrigir o lapso.’

“Assim, regressou à presença de Hideyoshi em maior agrura que antes. Foi encontrar o generalíssimo a andar irado de trás para a frente nos seus aposentos.

“Disse o Taiko quando o general prestou obediência: ‘Refletindo no incidente uma segunda vez, ocorreu-me que a punição que ordenei se encontra muito justamente reservada para parricidas e matricidas. Assim, ordeno-te que crucifiques o salafrário ereto.’

“Ouvindo esta nova ordem, Kagekatsu retirou-se respeitosamente e encheu-se de fortaleza para ir cumprir as instruções tal como corrigidas. Mas, quando se preparava para chamar o seu lugar-tenente para o instruir nos pormenores da execução, chegou mais um estafeta, convocando-o para regressar ao quartel-general. Dizendo para consigo ‘e agora o que será?’, apressou-se a apontar os pés para os aposentos do Grande Comandante, que foi encontrar mais composto e calmo, sentado formalmente [o sentar formal, ou seiza, é feito dobrando as pernas e colocando o peso do corpo sobre os calcanhares] num zabuton. Disse-lhe Hideyoshi: ‘Repensei no assunto outra vez e cheguei à conclusão de que uma vez que o homem não é nem traidor, nem assassino, nem ladrão, a morte por elevação no madeiro não é apropriada. Assim, ordeno-te que desembainhes a tua espada, lhe cortes a cabeça e que a exponhas publicamente à entrada do acampamento.’

“Recebidas estas palavras, o general retirou-se. Mas mal tinha passado a guarda exterior quando, pela terceira vez, um oficial emissário, correndo, chegou chamando-o a nova audiência. Regressando perplexo, prostrou-se para ouvir o Taiko dizer: ‘Refleti mais uma vez sobre este caso. Uma vez que o que me ofendeu é apesar de tudo um homem de duas espadas, tem direito a uma morte honrosa. Assim, ele que execute seppuku. Envia-lhe uma espada curta e que tudo seja feito de acordo com o cerimonial.’

“Quando ouviu isto Kagekatsu sentiu-se aliviado da amargura que o incidente lhe causara, alegrando-se por Sukebei poder morrer honradamente e deixar um nome limpo aos seus descendentes. Foi pois, contente, fazer os preparativos necessários. Mas, outra vez, antes de ter tempo para lacrar a ordem, foi levado à sua presença um núncio com mandato de regresso. Desta vez, quando se apresentou ao Pacificador, encontrou-o sorumbaticamente a meditar com sobrolho franzido, mão no queixo e cotovelo na almofada, e teve de esperar longamente com a testa no tatami antes de lhe ser dirigida a palavra. Disse-lhe finalmente o Taiko: ‘Ocorreu-me se não estaria a ser, por acaso, mais severo do que o necessário para alguém cuja transgressão foi mais por palavra que por ação. Estou, assim, inclinado a exilar o teu desatinado servo para a ilha mais rochosa do extremo sul deste Império e a destituí-lo do grau de samurai. Executa, portanto, esta ordem, não omitindo a proclamação da pena, para que ela sirva de exemplo e assim restrinja a insolência.’

“Com isto, despediu-o, e o ouvinte partiu dizendo para consigo: ‘Finalmente aqui temos o derradeiro adeus.’ Mas, enquanto o seu pincel escrevia a ordem ao regimento, eis que chegou um quinto portador com ordem de retorno. Pensando que desta vez Hideyoshi não acrescentaria mais que algum insignificante pormenor à execução da ordem, Kagekatsu prostrou-se no limiar da entrada. Impaciente, o Taiko mandou que se aproximasse e disse: ‘Tenho estado a repensar o caso do teu vassalo chamado Sukebei. Aqui entre nós, estas palhaçadas com atores e músicos e saltimbancos não têm origem em qualquer descuido meu no que respeita ao objeto desta guerra nem na minha distração no que concerne à arte do combate, mas foram pensadas como estratagema para desanimar e descorçoar e abater o ânimo dos nossos inimigos, para que pensem que somos tão fortes que não consideramos este cerco mais do que um divertimento ou um passeio pelo campo. O teu rústico, no entanto, não sabia nada disto, e agarrou-se aos antigos preceitos do guerreiro, segundo os quais é parte da sabedoria nem temer adversário mais forte nem desprezar inimigo mais fraco. De todos os meus grandes vassalos aqui congregados, nem um abriu a boca para pôr em questão a minha estratégia, tu incluído. Só este velho guerreiro ousou falar. Assim, é evidente que ele é senhor de rara coragem. Por esta razão, decidi considerar a sua ofensa coberta e remir toda a pena que lhe cabia.’

“Com isto, Kagekatsu exultou de alegria e, despedindo-se, disse dentro da sua alma: ‘Ó feliz desfecho! Sejam louvadas todas a deidades por o meu soldado ter sido totalmente perdoado!’

“Assim, quando foi outra vez alcançado por um mensageiro com intimação de regresso, o seu espírito toldou-se de receio, não tivesse Hideyoshi reconsiderado o seu perdão e fosse repor a pena. Mas, quando se prostrou em frente do generalíssimo, viu-o relaxado a beber uma taça de chá. Pegando numa espada, produto da indústria mais perfeita, o Taiko deu-lha dizendo: ‘Fidelidade num guerreiro é o seu mais nobre combate. Diz ao teu homem que lhe ofereço esta espada em sinal de reconhecimento pela sua lealdade.’

“O outro, a transbordar de admiração, elevou respeitosamente a espada à sua fronte, e partiu à procura de Sukebei, a pensar consigo próprio: ‘Finalmente, aqui está a cauda deste fantástico episódio. Quem me dera ter sido eu a cuspir no chão à entrada da tenda!’

“Aconteceu então que, quando ia ordenar para que Sukebei comparecesse à sua presença, por uma sétima vez lhe chegou um embaixador a pedir-lhe que desfizesse os passos que tinha acabado de dar. Quando o viu, disse-lhe Hideyoshi: ‘Tinha querido dizer-te que um homem como este Sukebei merece mais do que ser simplesmente um dos teus soldados rasos. É meu conselho que lhe dês autoridade sobre cem samurai.’

“Pensou o outro: ‘Não há mais espaço para revisão adicional.’

“E, saindo cheio de felicidade com esta promoção do seu vassalo, mandou logo chamar o velho guerreiro para dar-lhe conhecimento da elevação que acabara de receber. Sukebei acabava de se apresentar quando o porta-mensagens do Taiko interrompeu as saudações habituais entre os dois. Pela oitava vez nessa noite, Kagekatsu apontou as suas sandálias na direção do quartel-general, totalmente confundido e incapaz de imaginar o que poderia o Supremo querer dizer-lhe agora. Tendo-se apresentado e feito a vénia com a cabeça até ao chão, o Taiko convidou-o a sentar-se numa almofada ao seu lado e disse: ‘O meu espírito voltou-se outra vez para o teu soldado Sukebei e finalmente consegui cogitar algo apropriado. Lembrei-me do que ocorreu com Sorori Shinzaemon [曽呂利新左衛門, fl. segunda metade do século 16], e parece-me que o teu Sukebei, na sua franqueza, seguiu a regra de Shinzaemon. Para além disto, é conhecido o episódio em que Tokiyori [北条时頼, 1227—1263], o regente Hōjō de há trezentos anos, nomeou Fujitsuna, até então um humilde camponês, um dos seus ministros.’

“Continuou Hideyoshi: ‘Pois bem, parece-me que não devo tratar deste caso de modo mais mesquinho do que Tokiyori usou para tratar com o camponês Fujitsuna, que fez exatamente aquilo que o teu vassalo fez. Assim, decidi que a Sukebei seja dada patente de general e que, daqui em diante, tome lugar entre os oficiais em quem mais confio. E esta é a minha última reflexão no que respeita a este assunto.’

“Dito isto, dispensou Kagekatsu, o qual partiu dizendo em espírito: ‘Abençoados os deuses, que esta foi a última, pois mais uma revisão e este meu vassalo tornar-se-ia não menos que Xogun.’

“E foi assim que o humilde Sukebei foi elevado à mais alta patente. É do conhecimento de todos que venceu nas mais famosas batalhas e que o seu nome decora o rol dos ilustres.”

Não será que hoje se age, fala e se publicam tweets depressa demais? Se se toma uma decisão irrefletida e danosa, ao menos que haja coragem moral para, como Hideyoshi, se retificar o que houver a retificar. Seja na política, na gestão, ou até na vida familiar e entre amigos.