Repeguei um escrito que considero muito interessante de Frank Sonnenberg que escreve em livro, em blog e em jornal e é considerado um cronista entre os principais americanos mais lidos sobre gestão. O sentido dos seus escritos é francamente sarcástico, caricatural e mordaz, muito embora conhecedor dado que Frank passou por vários boards de empresas e fez muita consultoria ao longo da vida. Contactou muitíssimas empresas e a sua carreira empresarial é não despicienda. E apresenta, algures, este escrito que repeguei e se intitula Bluffing Your Way to the Top. Este tema veio à baila há algumas semanas, em conversa com um colega meu, fazendo do escrito de Sonnenberg o centro desse diálogo.

A coisa reza mais ou menos assim.

Lembra-se de quando andava na escola, o quanto estudava e o que investia enquanto outros, por bambúrrio de sorte ou outros argumentos, tinham conseguido saber as perguntas de um qualquer exame? Lembra-se de trabalhar arduamente e outros, com cábulas, esquemas montados e formas de fazer short-cuts conseguiam aceder durante os exames a materiais que jamais lhe passaria pela cabeça poder consultar na altura da avaliação?

Pois bem, esses tempos ficaram para trás e já lá vão. O que é legítimo é legítimo o que não é não foi. Mas passou. O problema, não obstante, é que não só não passou como o fenómeno se repete hoje de outras formas. O sistema perpetua-se para a frente. Joga-se num outro tabuleiro e com outras peças de xadrez mas continua a jogar-se de forma nem sempre séria, ou trabalhadora e transparente, para chegar a resultados.

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Sonnemberg tipifica 8 personagens (ou 8 estereótipos) que se encontram pelas empresas. Vê-los por aí é um hábito. Lidar com eles é uma maneira de sobrevivência como qualquer outra. Mas a verdade, verdadinha, é que eles andam por aí. São o que são – ou têm o que têm – mas fazem bluf na sua ascensão até ao topo – ou mesmo, já lá estando, no sentido de se preservarem. São pretensas superestrelas e a uma certa fase da vida já todos perceberam o que valem. Problemático, talvez um pouco por todo o mundo, é não só dizer que o rei vai nu como aproveitar para desmarcar a nudez do rei. Que tal oferecer roupa ou rei? Hummm.

Sonnemberg, de novo, caracteriza bem as formas como estes personagens atingem o sucesso. Um sucesso plástico, feito de falta de autenticidade e de conhecimento, um sucesso tomado de empréstimo. Só não é possível concordar com o cronista quando este diz que essas pessoas serão um dia apanhadas pelas teias que elas mesmas criam. Uma crença, quanto a mim prejudicial, que em bom português até dá direito a ditado popular: “cá se fazem, cá se pagam”. O problema é que em Portugal muito se faz e pouco ou nada se paga.

Haverá uma boa maioria de colaboradores a procurar cumprir e a fazer o certo. Valha-nos isso. Há uma série de pessoas comprometidas, e bem comprometidas, para com os projetos das organizações para as quais trabalham. E se as há. Depois, há um conjunto de atores das organizações que vão usando outros, o seu trabalho e o seu esforço, para brilharem. Sem pudor nem pejo. Sem vergonha. Isto dito, as classificações e os estereótipos aí estão, pela mão de Sonnemberg, para quem os quiser encontrar.

  1. Emperors – à boa maneira portuguesa serão aqueles que sobem as escadas e as hierarquias empresariais assentes no simples facto de conhecerem outros, com maior poder e certamente influentes, e estabelecem com eles supostas relações de amizade e confiança. O seu contributo para a organização, hoje (ou sempre?), pouco importa. É ou será pouco mais que nulo. Importa, sim, quem conhecem, com quem se dão e de quem são amigos. São verdadeiros oásis – parecem interessantes mas…só ao longe. Eventualmente trabalharam para uma grande empresa, em tempos, e conhecem meio mundo por onde vão passando. Enchem-se de credenciais e de relações em lugares chave e colecionam-nos(as). Afirmam frequentemente que A ou B é seu amigo, ou seu parceiro de golf, e que com ele privam ou jantam (normalmente na semana passada ou mesmo ontem jantaram) ou o que seja para colocarem os outros em sentido. Na verdade, espremidos, nem roupa têm. Ao pé não são oásis mas apenas miragens. Emperors truly have no clothes.
  2. Pretty Boys (or Girls) – Estas são tipologias que parecem realmente à parte. São trendy em vestuário, têm cartões de clubes interessantes e parecem saídos de uma capa Vogue ou GQ. Baseiam a sua atividade muito mais em superficialidade do que em performance. A sua aparência e roupagem são de fina espessura e quando a luz se intensifica começa-se a ver através deles. Portanto, estes personagens, como os livros, não se aceitam/avaliam apenas pela sua capa/cobertura.
  3. A-Kissers – Também à boa maneira portuguesa são os graxistas. É preciso reduzir custos? Não há problema. Não se irão dar aumentos este ano (pena só haver aumentos para determinados níveis). 99.9% do tempo útil é passado no gabinete ou na proximidade da sua hierarquia mas quase nenhum tempo, para não dizer nenhum, é passado com as suas pessoas. Infelizmente em Portugal o tempo do “basta”, pelas suas pessoas, tardará em chegar. E as pessoas, esses coitados que dependem dos A-kissers, vão-se habituando a viver e conviver com esta realidade. Mas o kiss off, em Portugal, raramente virá.
  4. Delegators – Dizem que há apenas dois tipos de pessoas, aqueles que estão dispostos a trabalhar e aqueles que estão dispostos a deixar os demais trabalhar. Estas falsas superestrelas estão, obviamente, no último grupo. E ainda têm o poder de dizer: «Quer alguma coisa feita? Não há problema.» Na verdade, ao invés de agarrar para si o trabalho, propondo-o para a próxima semana, ainda dizem um «que tal para amanhã?». Esta tipologia sai às 17:00h, quando não antes, mesmo sabendo que a sua equipa fica para mais tarde. Estão sempre disponíveis para aceitar mais trabalho, ou melhor, para o passar a outros. Têm um ar calmo e cool. E têm sempre a secretária mais limpa do escritório. Como é isto possível? Delegando tudo. Neste caso, a única coisa que estaciona na sua mesa é o crédito que, efetivamente, não merecem.
  5. Schmoozers – Personalidades que poderiam ganhar o prémio senhor ou senhora simpatia. Todos os adoram. E os Schmoozers sabem sempre qualquer estatística de futebol, como sabem sempre contar anedotas ou qual o último grito da fofoca e da intriga. Sabem tudo o que não interessa em termos de trabalho. Os seus colegas gostam tanto deles que ficam com a sua carga de trabalho. O Schmoozer entretém clientes. E é sempre uma festa ter um Shomoozer por perto. O trabalho, esse, não deixa de ser uma festa.
  6. Bystanders – Fazem o mínimo possível. Apenas o necessário. Estão na organização há um zilião de anos, raramente falam alto, nunca fazem ondas e tornar-se-iam invisíveis se tal fosse possível. Passam o tempo a movimentar-se e a movimentar pilhas de papel enquanto olham para os outros a procurar cumprir o seu trabalho. Quando estão de férias ninguém dá pela sua ausência. Os maiores sobreviventes do planeta Terra, para além das baratas, serão mesmo os Bystanders.
  7. Scavengers – Estes personagens são verdadeiros comedores de carne. São o tipo de perfil que consegue ir buscar os créditos de outros para os tornar seus. Cercam-se das pessoas certas e passam o dia a pensar qual será a ideia boa a roubar a alguém. Rodeiam-se de pessoas maravilhosas e talentosas e vão determinando o quanto uma ideia poderá valer como sua. Continuarão a subir a hierarquia da empresa enquanto o seu crédito continuar a ter um rating positivo.
  8. Finalmente, os Busybodies – Personalidades intrometidas e que despendem o seu tempo a provar que são bons mas, na realidade, não levam nada ao estado de realmente acabado ou cumprido. Sempre que falamos com eles gastam pelo menos 20 minutos a descrever o quão trabalhoso foi fazer isto ou aquilo e a quantidade de trabalho que têm de carregar. Precisando de um modelo de comparação ele estará na borboleta ao voar, andar em círculos, “criar vento” e nunca ficar em lugar algum. Para nunca fazer realmente algo de valor acrescentado.

Estes tipos de pessoas são-lhe familiares? É pena que por cá, por Portugal, não se acredite realmente na justiça e se faça alguma coisa em prol de soluções. E os que fazem tornam-se “bufos”. Fora de Portugal ainda se vai acreditando que estas pessoas podem vir a ter aquilo que lhes é devido. Ou às vezes terão.

Por este recanto, e por vezes, acredita-se muito seriamente naquilo que verdadeiramente se aplica: “agarrem-me senão eu mato-o”. O português é assim. “Ladra”, “ladra” mas não morde. Porque nunca fará nada de verdadeiramente tempestuoso para abanar as águas e/ou expor a nudez e a predação destes indivíduos. E quando “ladra”…não morde.

Facto é que tudo isto destrói a moral e fere e prejudica a competitividade e a saúde interna das organizações. E como destrói e como fere.

A principal mensagem, aqui, passa mesmo por saber identificar estes personagens para evitar proximidade. Distância, distância apenas para que não haja ideias oferecidas, para que não haja créditos que possam ser roubados ou trabalhos que possam cair-lhe ao colo de forma inusitada. É bom deixá-los em presença de outros do mesmo tipo, que os apanhem e os possam predar como eles próprios predam outros indivíduos.

Sobretudo, não tente resolver as coisas pelas suas mãos. Até porque ao não ter um destes perfis não vai sair bem na fotografia. E, lá está, tudo o que diga voltar-se-á contra si mesmo. Mas é pena. Porque é também sem nada fazer que se colabora com o bluffing your way to the top.

Professor Catedrático, NOVA SBE – NOVA School of Business and Economics, crespo.carvalho@novasbe.pt