Há uma semana, na véspera das eleições (para que os resultados não contaminassem a reflexão) escrevi quais as regras e princípios que deveriam orientar a escolha da solução governativa Hoje escrevo sobre o concreto resultante dos resultados eleitorais. Aconteceu o cenário que antevi aqui como o mais difícil (maioria de direita, mas só se contando com os votos do Chega)

Cenário que ainda se torna muito mais difícil por uma série de fatores:

– O resultado da AD estar quase a par do resultado do PS, quer em número de votos quer em número de deputados.

– O grande resultado do Chega e o facto de serem os votos que o Chega foi buscar à abstenção e a outros partidos que dão a vitória à” direita”,  que, sem este aumento do Chega  não o teria conseguido ( o aumento que a AD e a IL tiveram seria insuficiente para a direita ganhar e a AD ficou pouco acima do resultado de 2022).

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– Acresce que os resultados mostram que o Chega se tornou o representante dos “descamisados” e das classes populares (aquelas a que Marcelo Rebelo de Sousa é tão sensível). Ora, desconsiderar o Chega será desconsiderar o seu eleitorado como bem tem feito notar André Ventura que se tem desdobrado em entrevistas. Isto aumentará a frustração deste eleitorado e em consequência a tensão social e política que poderá resultar num crescimento ainda maior do Chega (contra os instalados) nas próximas legislativas e até a vitória já nas europeias de junho.

– As linhas vermelhas que o PSD fez questão de reafirmar com grande veemência em relação ao Chega. Montenegro no discurso de vitória, Paulo Rangel, Pinto Luz e Leitão Amaro, vices presidentes do PSD, Hugo Soares secretário-geral e Carlos Moedas, presidente da CML, fizeram questão de virem reafirmar o “não é não”. E este “não é não” transforma a realidade política. Aquilo que tinha sido uma grande vitória da “direita” (resultante de cada um dos partidos apostar em cobrir eleitorados diferentes) e uma derrota pesada do PS, num cenário bipolar, de repente torna-se numa vitória resvés da AD num cenário tripolar, sobretudo se só  contarem os resultados do continente, e estamos a falar do governo do Continente,  dando assim um novo alento à esquerda a ponto de esta passar a vender a ideia de 3 blocos sendo que o resultado ainda estaria incerto e dependente do resultado das europeias, devendo ser chamado a Governar o bloco com mais votos, ou seja , uma esperança que ainda o PS. Mesmo que esta nova geringonça de esquerda fosse rejeitada no parlamento seria ela que ficaria como Governo em gestão até novas eleições antecipadas que ficariam desde já marcadas

– Finalmente Pedro Nuno Santos está feliz em ser oposição de braço dado com o BE e o Livre e não vai facilitar em nada a vida de um governo minoritário da AD. Se no tempo de Passos Coelho, que tinha o apoio da maioria no parlamento e estava numa missão patriótica de resgatar o País da situação em que o PS o tinha deixado e em que o PS até tinha em Seguro um líder moderado, foi o que foi, agora irá ser muito pior.

Assim, agora resta a Marcelo, que sempre foi o paladino da estabilidade e em nome dela aceitou o Governo de geringonça e andou com ele ao colo, a escolha entre dois cenários:

Cenário 1 – Dar posse a um governo com 30% de apoio eleitoral desprezando os outros 70% de eleitores e a regra básica de que a Democracia assenta no Governo da maioria (50%+1) Governo que diz que falará e negociará com todos. Mas quem serão estes todos se não fala com o Chega e à esquerda não encontrará quem queira conversar ou negociar pois oposição pura e dura de braço dado com o BE é o que PNS gosta?

Será possível a um governo destes fazer qualquer reforma?  E será possível gerir o país sem reformas como o fez António Costa, o que levou ao estado em que estão TODOS os serviços públicos ao fim de anos sem investimento, com uma tremenda falta de pessoal e os profissionais que restam sobrecarregados e acusando o desgaste do poder de compra traduzido num crescendo reivindicativo, até à margem dos sindicatos tradicionais.

Será possível fazer reformas e tomar “medidas difíceis” que todos os dias serão atacadas, no parlamento e televisões, por seis partidos contra apenas um a defendê-las? Para além do “ataque na rua” promovido pelas centrais sindicais (sim, a UGT irá estar ao lado do PS e de PNS) e até pelos “espontâneos, “soprados pelo BE?

Será possível quando falta o único argumento válido e imprescindível “Estamos a cumprir o mandato que a maioria dos eleitores nos deu”?

Aquilo que se perspetiva de um Governo de Guerra, fechado nas pessoas do PSD (conseguirá nestas circunstâncias recrutar pessoas de elevado gabarito técnico e político?)   para tomar medidas populares e ir a novas eleições dentro de dois anos, se não for antes, é o que interessa ao País?

Nestas eleições, gente inclinada a votar no Chega decidiu dar uma oportunidade a Luís Montenegro e votou na AD. Se não gostar da ostracização do Chega nas Europeias poderá votar no Chega para mostrar a sua insatisfação e propensão para um acordo PSD-Chega, o que, aliado à tradicional abstenção nestas eleições, poderá levar a que o Chega seja o mais votado. Nesta altura como ficam o PSD, o Governo e o Presidente da República?

Cenário 2 – Fiel à sua defesa da estabilidade, atendendo ao princípio básico da democracia que do Governo da maioria (e não da maior minoria) e ao que acima se escreveu, dizer ao PSD, de forma inequívoca, que só dará posse a quem lhe apresentar uma solução com apoio de uma maioria (50%+1) no parlamento.

Poderá Marcelo ser o adulto da Sala e desta forma libertar, e se ultrapassar, o compromisso das linhas vermelhas assumido por Luís Montenegro?

Ou preferirá ficar na esperança de que a 3.ª dissolução em pouco mais de seis anos fique já para o seu sucessor (situação que levará a uma deriva presidencialista nas próximas presenciais pois em face do falhanço da vertente parlamentar partidária a maioria que o Presidente tiver terá que ser a maioria do regime)?