Com o propósito de proporcionar uma circulação mais fluida dos cidadãos europeus entre os vários Estados-membros, entra hoje em vigor o Certificado Europeu Covid-19. Trata-se de um instrumento que, se aplicado de acordo com o definido pelas instituições europeias, permitirá aliviar as restrições às viagens, evitando-se assim quarentenas desnecessárias e manter, dentro do possível, a economia europeia a funcionar, algo fundamental num período de fluxos turísticos acrescidos. Não é, nem pode ser, um instrumento discriminatório, mas tão somente um recurso facilitador para quem estiver vacinado, for portador de teste negativo ou recuperado da Covid-19.

As instituições europeias foram ágeis e pioneiras na sua conceção, regulamentação e aprovação, num trabalho conjunto que nem sempre é possível e que, por isso, deverá servir de exemplo para projetos futuros. Com este certificado europeu evitam-se documentos com propósito semelhante, desenvolvidos unilateralmente pelos 27 países da União e que não seriam interoperáveis – a França e a Dinamarca, por exemplo, usam desde o início do ano um documento próprio, que agora será adaptado no sentido de cumprir os requisitos do certificado europeu. Evita-se o sempre tão criticável “cada um por si”. Ao portador do certificado não deve ser concedido nenhum privilégio face aos que não o possuem, devendo, isso sim, facilitar a circulação e o acesso a determinados locais, diminuindo as burocracias e os constrangimentos a ambos os grupos – o certificado não serve apenas para quem está vacinado, é antes um documento que agrega três diferentes tipos de informação numa única aplicação, que pode ser física ou eletrónica. Foi este o principio subjacente à proposta do Parlamento Europeu e da Comissão Europeia.

No entanto, e apesar dos referidos princípios, a sua regulamentação deveria ter tido em conta o eventual uso abusivo por parte dos governos nacionais. Os eurodeputados foram claros ao afirmar que os Estados-membros devem garantir o acesso universal e gratuito aos testes, como forma de não haver qualquer tipo de vantagem de quem está vacinado face aos demais.

É importante que quem quer viajar, trabalhar ou simplesmente ir a um concerto, espetáculos desportivos ou qualquer outro evento de massas, tenha a possibilidade de fazer um teste de forma rápida e gratuita, só assim se garante a inexistência de qualquer tipo de discriminação.

Neste caso concreto, a Presidência Portuguesa podia ter ido muito mais longe. Como colegislador, o Conselho poderia ter suportado as propostas do Parlamento Europeu e trabalhar nesse sentido. Como deveria ter apoiado um texto que definisse critérios comuns a todos os Estados-membros, evitando a possibilidade de políticas unilaterais, ainda que excecionais, e muitas vezes de interesse exclusivamente económico, sem base científica evidente – veja-se a posição da Alemanha face a Portugal quanto à obrigatoriedade de quarentena.

Ainda assim, e apesar desta lacuna, Portugal e os restantes países têm a obrigação de utilizar bem este certificado, e só o farão quando garantirem o acesso gratuito aos testes Covid-19, evitando caírem na tentação de o usarem para todo e qualquer propósito, como no acesso a restaurantes, por exemplo. As negociações entre o Reino Unido e a União Europeia para a adoção do mesmo certificado são boas notícias, aguardando-se que cheguem a bom porto e, desta forma, seja possível retomar alguma normalidade nas viagens, com claros benefícios para Portugal, neste que começa a ser mais um verão perdido para a indústria do turismo. Deve-se pugnar para que a generalização do certificado seja (efetivamente) um mecanismo que venha a impulsionar a retoma da economia e não um foco de instabilidade, matéria que está nas mãos dos Estados-membros. Não foi esse o propósito com que foi criado, nem é o certificado que deve ser alvo das nossas críticas, mas sim o (mau) uso que dele faz quem tem o poder de decidir. O certificado não é obrigatório, nem a realização de qualquer atividade ou exercício de um direito está dependente da sua posse.

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