Talvez devido a um processo de osmose pandémica, os portugueses são confrontados com sucessivas vagas de más notícias provenientes do Ministério das Infraestruturas, em especial, no sector dos transportes. A Ferrovia, a TAP e o novo aeroporto de Lisboa representam um triunvirato de problemas com os quais o atual Governo nunca soube gerir, muito por culpa da cegueira ideológica de António Costa, de Pedro Nuno Santos e dos seus parceiros de coligação.

Comecemos pela TAP, cujo desnorte se iniciou numa reversão da privatização, que mais não foi que uma nacionalização de problemas, resvalando para um processo de resgate e reestruturação que já absorveu 1,662 mil milhões de euros do erário público. O Governo justificou esta intervenção com a importância da companhia aérea para a economia nacional. Mas será a TAP assim tão relevante e capaz de fornecer um serviço público de qualidade? No Porto, perdeu toda a sua relevância, com uma quota de 12%, em Faro (5%), foi sucessivamente ultrapassada por outras companhias aéreas, concentrando a sua atuação em Lisboa (50%) e no Funchal (31%). Neste último destino, as suas políticas também se regem pela lei da oferta e da procura, ou seja, pelo mercado, o que resulta no estabelecimento de preços exorbitantes nas épocas altas, desvirtuando o princípio da continuidade territorial que o Governo, e não a TAP, é verdade, está obrigado a cumprir.
Sendo (agora) do Estado, não deveria esta rota estar abrangida pelo Regime de Obrigações de Serviço Público ao invés de sucumbir apenas aos benefícios que adquire do subsídio de auxílio social de mobilidade?

Simultaneamente, aguardamos que o plano de reestruturação seja capaz de convencer a Comissão Europeia relativamente à viabilidade da empresa, garantindo que esta estará em condições, a partir de 2025, de iniciar o reembolso dos apoios recebidos e manter-se operacional para além deste período, sem ajudas públicas. É fácil depreender que a estratégia da TAP passará sempre pela exploração de rotas comercialmente viáveis, com exceções muito bem fundamentadas – é esta a explicação de Christine Ourmières para a suspensão da ligação do Continente ao Porto Santo na época de inverno. Nos Açores, para as ilhas de menor dimensão este serviço público é garantido pela SATA.

Assim sendo, a pergunta mantém-se: para que nos serve, a nós, portugueses, a TAP nestas condições? Se opera apenas em rotas comercialmente rentáveis, é de supor que qualquer outra companhia aérea lhe tome o lugar e o faça de forma mais eficiente – à semelhança do que já acontece no Porto e em Faro -, o que permitiria uma poupança de recursos aos já depauperados cofres nacionais, ou a sua alocação mais racional. Com uma aprovação que demora a ter luz verde de Bruxelas, as perspetivas são de mais cortes, no sentido inverso ao que tem sido propalado pelo Ministro Pedro Nuno Santos. Mas admitamos que a reestruturação, com mais ou menos ajustes por parte da Comissão, corre bem. Qual a solução para a empresa? Vai manter-se nas mãos do Estado? Para quê e porquê?

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Uma solução possível seria uma parceria com a Lufthansa – empresa que está livre para novas aquisições, depois de devolver ao Estado alemão todas as ajudas que recebeu -, ou com outra de maiores dimensões, como a Air France, por exemplo. No entanto, por razões óbvias, não me parece que tal seja possível de executar por um Executivo ideologicamente acoplado a uma esquerda que abomina o conceito de mercado, pelo que este parece ser um problema para continuar em novas vagas.

Ainda no transporte aéreo, em seis anos, o Executivo socialista português não foi capaz de decidir a localização do novo aeroporto de Lisboa, uma infraestrutura há muito reclamada por vários sectores, nomeadamente do turismo, mas que voltou à estaca zero.

Mas se nas questões aéreas as coisas não correm bem, em terra o marketing político do Governo parece estar a descarrilar. O anterior Ministro das infraestruturas, Pedro Marques, afirmava, em fevereiro de 2019, que a taxa de execução do Ferrovia 2020 era de 40%. Em março de 2021, a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes divulgou uma taxa de execução, até 2019, de 12,3% do investimento total. O Ministro Pedro Nuno Santos, na mesma linha do seu antecessor – criticando os atrasos até aí registados-, anunciou, com pompa, projetos que implicariam os maiores investimentos alguma vez realizados na ferrovia nacional. Questionemos, pois, não a eficiência, mas a eficácia das ações difundidas por essa ferramenta de comunicação que os senhores ministros utilizam.

Na mesma lógica, o Ministério das Infraestruturas admitiu recentemente atrasos na execução do Ferrovia 2020 – alegando complexidades técnicas, imagine-se! – e que alguns investimentos vão resvalar do Portugal 2020 para o Portugal 2030, com sérios riscos de se perderem fundos europeus referentes ao período 2014-2020. Para completar o rol de problemas, o divórcio dos parceiros de coligação, que ditou o chumbo do orçamento para 2022, não permite a despesa excecional de 1 800 milhões de euros para reduzir a dívida da CP, o que a impede de obter financiamento para investimento em material circulante. Em suma, ficamos pela recauchutagem de algumas composições antigas ou compradas a saldo a Espanha.

São demasiadas trapalhadas, já. A responsabilidade, essa, é apontada a outros: à Comissão Europeia, ao Ministro das Finanças ou ao Governo de Pedro Passos Coelho. Nunca a humildade de assumir erros.

Portugal deveria (e merecia) estar a implementar uma política coerente de transportes, com um aproveitamento de recursos provenientes do Plano de Recuperação e Resiliência e que possibilitasse uma transição energética consistente e menos dolorosa para os portugueses, salvaguardando o princípio da coesão territorial. Ao invés, continua com muitas pontas soltas e nós que este Governo não se revela capaz de desatar.

Há dias um amigo, revisitando uma leitura de Eça de Queirós, partilhou algo que se adequa a quem nos Governa no momento presente: “longe do povo, dos seus interesses, dos seus tormentos, da sua alma”.