O título chamou-me imediatamente à atenção: “Macacos não esquecem os amigos, mesmo passado 25 anos”. Vinha no Observador, que partilhava a notícia da Lusa. Os termos pareceram-me agressivos, certo, mas abri de pronto, convicto de tratar-se de uma análise crítica a acontecimentos recentes da vida política nacional. Queria saber quem a teria proferido e no calor de que circunstância, mas imagine o meu espanto ao descobrir que, afinal, se tratava dum estudo realizado junto duns quantos símios. É conhecida há muito a reputação da memória de elefante, mas do macaco?

Segundo a revista PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences), que publicou a informação na passada segunda-feira, os chimpanzés e bonobos inquiridos nos zoos de Edimburgo, Planckendael e Kumamoto demonstraram reconhecer fotografias de amigos e antigos membros da sua comunidade, mesmo passados mais de 25 anos sem os ver. De acordo com os investigadores, a experiência demonstra que somos mesmo mais parecidos com os macacos do que tendemos a pensar, e que a memória social de uns e outros é muito semelhante.

Ora, foi aqui que pensei: espera aí, que também não vale a pena exagerar. Estes macacos têm, claramente, muito melhor memória do que nós. Nós podemos ter sido toda a vida amigos de uma pessoa – vá, vamos exagerar: tão amigos que até a convidámos para ser nossa madrinha de casamento – que basta meter-se, por exemplo, uma investigação da Procuradoria-Geral da República pelo meio, para nos esquecermos, imediatamente, que algum dia tivemos relação.

Estes chimpanzés escoceses, não. Estes bonobos belgas e japoneses, não. Vamos imaginar que um deles – macaco – escondia dinheiro na caixa das bananas. O outro não corria com ele nem se desmarcava. Acenava que sim senhor, eu conheço este bacano, até fui eu que o convidei para gerir o stock de bananas. Estes macacos não se esqueceriam do whatsapp que mandaram ainda o mês passado, da consulta que tivessem marcado para o filho dum macaco importante, da porta com que acaso tivessem andado a bater na cara dos macacos professores durante dois anos, para agora a abrirem, todos sorridentes, como se nada fosse.

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Estes macacos, há que dizê-lo, têm uma memória impressionante. É preciso estudá-los mais. O que lhes garantirá estas capacidades sobre-humanas? O exercício físico? O contacto com a natureza? A alimentação rica em potássio? Será de não terem estragado a capacidade de os seus cérebros reterem informação com o uso excessivo do telemóvel e do recurso à internet? Tantas hipóteses.

Sim, sei o que está a pensar: que bons governantes dariam estes macacos! E, se calhar, saíam-nos muito mais barato… Mas gostaria de alertá-lo para outra coisa: estes macacos também dariam magníficos eleitores. Eles não se esquecem do que aconteceu em 2011. Nem em 2017. Nem em 2022. Do que lhes disseram num dia e, depois, no outro. Não se esquecem de quem era aquele macaco ainda há uns anos, nem do que queria fazer o mês passado. Nem dos macacos que andavam com ele, nem das macacadas que faziam, com computadores e bicicletas e 3,2 mil milhões de bananas que pediram emprestadas aos outros.

Não. Se estes macacos adoptassem a democracia representativa, ninguém fazia farinha com eles. Quando chegasse o dia das eleições e olhassem para o boletim de voto, diziam: “Eu conheço este macaco!”, independentemente das cores com que o pintassem nos cartazes e das palavras bonitas que lhe pusessem ao lado.

Mas eles têm lá o regime deles e nós o nosso. Estudamo-los na expectativa de os conhecer melhor e, quem sabe, a nós mesmos. Nós temos a memória cada vez mais curta. Tão curta que, por esta hora, já alguém estará a escrever aqui ao lado na caixa de comentários: “Ah, mas eu ainda me lembro do macaco que me cortou a pensão!”. Mas pode ser que alguém acrescente abaixo: “Pois, mas eu ainda me lembro de quem é que fez as macaquices que obrigaram a ter de cortar até nas pensões”.

Tenhamos esperança, amigo leitor. Se, ao menos, essa ainda não se tiver perdido totalmente na evolução.