Em Portugal (e não num país do terceiro mundo) existem hospitais com listas de esperas de anos para se fazer uma colonoscopia, um exame importante no acompanhamento das doenças inflamatórias do intestino. Há doentes que aguardam meses por aprovação de acesso a determinadas terapias, apenas concedidas através de farmácias dos hospitais públicos, para muitas vezes verem os seus pedidos recusados por questões financeiras. As implicações destas decisões são brutais, não só para o doente, mas também para as suas famílias e para as equipas médicas que os acompanham.

As Doenças Inflamatórias do Intestino, são um grupo de doenças em que o sistema imunitário fica desorientado, atacando o próprio corpo e os órgãos que deveria proteger — neste caso o intestino –, que incluem entre outras, Crohn e Colite Ulcerosa. Estima-se que em Portugal 1 em cada 500 portugueses sofra com estas doenças crónicas, sem cura e que requerem tratamento médico vitalício. No mundo, são mais de 10 milhões de pessoas diagnosticadas e o número de diagnósticos não para de aumentar.

Em Portugal, muito se tem feito, com os parcos recursos disponíveis, para melhorar as condições destes doentes sobretudo através de acções de sensibilização em hospitais, televisão, jornais e redes sociais. Também por iniciativas de cidadãos, que pedem ao Parlamento português que discuta e aprove medidas concretas que trarão uma maior qualidade de vida e integração na vida activa destas pessoas. Há mais de um ano que foi entregue nos serviços da Assembleia da República a Petição Nº 503/XIII/3 (que reuniu cerca de 11 mil assinaturas) para melhoria das condições dos doentes com doenças inflamatórias do intestino. Desde então que mais de 20 mil doentes em Portugal aguardam que a mesma seja discutida em sessão de Plenário, conforme concedido na Lei de Petições. Apesar dos prazos previstos por Lei para que o agendamento ocorra, continua-se à espera. Como se fosse possível dizer a uma doença “agora não que não dá jeito”…

Aquilo que os sucessivos Governos e os Srs. Deputados e os serviços administrativos parecem ter dificuldade em entender é que a saúde não se compadece de prazos administrativos. Não dá para colocar em pausa uma doença e pedir que volte a estar activa apenas quando for conveniente à burocracia portuguesa. O atraso na discussão da petição, as listas de espera no acesso a consultas, exames de diagnóstico, e no acesso à medicação (aquela que requer aprovação das administrações dos hospitais e por vezes Infarmed) só faz com que o quadro clínico dos doentes se agrave. Até que ponto não se evitariam cirurgias de remoção de partes ou totalidade do intestino, se o Serviço Nacional de Saúde providenciasse rapidamente o acesso aos cuidados de saúde necessários para estes doentes crónicos?

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Numa altura em que se discute o futuro das Lei de Bases da Saúde, é imperativo que política e burocracia tenham presente as implicações práticas das suas decisões nos seres humanos visados por elas. Não basta textos bem escritos com intenções bonitas: tanto doentes como profissionais de saúde precisam de medidas concretas para que de facto o Serviço Nacional de Saúde responda às necessidades de quem a ele recorre.

O Dia Mundial para a Sensibilização das Doenças Inflamatórias do Intestino assinala-se a 19 de Maio. Este ano, o mote é “Tornar o Invisível Visível” e em Portugal, Lisboa foi a cidade escolhida para assinalar o dia, colorindo de roxo alguns dos edifícios emblemáticos da cidade. Infelizmente, iluminar monumentos de roxo é um passo, mas um passo que não chega para quebrar o estigma, o preconceito e a desinformação que persiste na sociedade portuguesa sobre este grupo de Doenças. Numa altura em que tanto se fala de desinformação, é necessário que instituições políticas, públicas e sociedade civil se unam para que a informação seja acessível, os pacientes sejam elucidados e sobretudo, que os mais de 20 mil portugueses com estas doenças sejam, finalmente, visíveis!

Gestora projecto “www.crohncolite.pt” e autora do livro “conViver com as Doenças Inflamatórias do Intestino”