1 Como chegámos aqui? Como é possível que o Chega chegue onde chegou?

Nos tempos idos do Sócrates, ele elegeu como oposição Louçã do BE. Permitia-lhe ignorar o PSD, garantia grandes títulos nos jornais — eles eram ambos bons tribunos — e o público via que a oposição ao governo do PS era o BE. E o BE cresceu em flexa. Quase tão depressa quanto caiu quando deixou de ter Sócrates pela frente.

Com o Chega deu-se algo de equivalente. António Costa, acolitado por Santos Silva, estava sempre pronto a ripostar ao Chega e assim ignorar o PSD. As muitas vezes excelentes e sempre mui civilizadas intervenções da IL, por exemplo, eram igualmente ignoradas. Aos olhos dos eleitores a oposição ao governo PS era o Chega e não tanto o PSD e a IL que ficavam sempre a falar sozinhos. O Chega foi engordado pelo PS. E o diabo está à solta.

Infelizmente, o PS não é dado a grandes cogitações sobre o que correu mal — possivelmente todos os partidos — veja-se o que os dirigentes socialistas (não) disseram sobre o caso Sócrates.

2O Presidente da República também tem culpas no cartório. Primeiro, posso entender que o PR não quisesse uma “solução Centeno”, era artificial e até pouco democrática. Mas, segundo, não devia ter aceitado a demissão de António Costa: nada de concreto havia sobre ele. Percebo que A. Costa quisesse mostrar que nada tinha a esconder e a temer, pedindo a demissão, mas esta não devia ter sido aceite.

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O resultado está à vista: uma vitória de Pirro da AD, uma esquerda esquálida e sem soluções, mas que pode bloquear tudo.

3Mantendo (felizmente) a promessa de não se chegarem ao Chega, a AD mais a IL não vão longe. A abstenção do Chega não dá para aprovar uma alteração a uma regra de trânsito, quanto mais aprovar um Orçamento de Estado no Outono. Nem nada se vai conseguir na Saúde, na Educação ou na Defesa.

Ou seja, vamos ter novas eleições a manter-se este quadro de entendimentos parlamentar.

4O que fazer? Por tudo isto, devemos alterar a lei eleitoral já. Há muito tempo que, de vários quadrantes, se vem defendendo que é necessário votar em pessoas, apoiadas por partidos, mas não em listas gigantescas onde se escondem os incondicionais dos aparelhos dos partidos. Eu próprio o venho fazendo há décadas. É a altura para o fazer.

O PS mais a AD mais a IL deveriam introduzir os círculos uninominais com um círculo nacional de compensação. Os votos do PCP em Beja não ficariam perdidos, por exemplo.

Não sou um defensor incondicional dos círculos uninominais, mas são um sistema bastante melhor do que aquilo que temos e, neste momento, é muito necessário. Vejamos.

Os partidos teriam de arregimentar pessoas de melhor qualidade humana e intelectual, o que seriam muito positivo. No entanto, o Chega quase não tem quadros, só me recordo de Ventura e Mithá Ribeiro (já agora, este é um bom pensador e vale a pena prestar-lhe atenção por contraste a Ventura). Os círculos uninominais mostrariam a pobreza do Chega em cada debate que se organizasse entre os vários candidatos em cada círculo.

Para tal, segundo me dizem, nem é necessário alterar a constituição; se for inevitável tal ajustamento constitucional também não será difícil.

5Em conclusão, é urgente, com as eleições que se advinham, aproveitar para reduzir democraticamente o peso do Chega. A penitência e o arrependimento de quem alimentou o diabo não é suficiente, é necessário alterar a lei eleitoral para mostrar a pobreza dos seus serviçais. Expunha-se a nudez do rei que vai nu.

E poderíamos celebrar os 50 anos do 25 de Abril com uma lei eleitoral mais democrática e mais transparente.