Ainda não se percebeu bem a que é a agora conhecida “taxa Robles”. O próprio primeiro-ministro o confessou, quando disse: “nem percebo bem aquela proposta que é, primeiro, tratar como uma taxa o que é um imposto e, segundo, um imposto que repete o imposto de mais valias que já existe e já tributa o que há para tributar”. Depois de o CDS ter baptizado a proposta do Bloco como “taxa Robles”, António Costa assume-se indirectamente como padrinho, acrescentado ainda que “foi feita à pressa”. Porquê à pressa? É impossível não pensar que a causa próxima é a tentativa de limpar o efeito dos investimentos do ex-vereador Robles, por muito injusto que isso seja para o BE, que sempre mostrou ser bastante mais inteligente politicamente.

Podem colocar-se muitas hipóteses. A de o primeiro-ministro não estar este ano disponível para outro imposto, como o que o ano passado ficou conhecido como “taxa Mortágua”, o adicional ao IMI, e que seguiu o mesmo padrão: o BE a assumir-se como tendo tomado a iniciativa levando o PS e o PCP a reboque. Outra hipótese é a de António Costa estar a explorar, com gosto, a margem de manobra que o caso Robles lhe deu em relação ao BE – e que as sondagens já mostraram ter custado votos aos bloquistas –, depois de ter tido de engolir alguns sapos passado. E, finalmente, sem que nenhuma delas seja mutuamente exclusiva, a de o primeiro-ministro estar a esticar a corda para ver se há eleições antecipadas – o Presidente voltou a avisar que ou há Orçamento ou há eleições antecipadas.

Seja qual for o cenário, continuamos sem perceber muito bem o que quer afinal o BE. E o próprio BE enredou-se na guerra, sem optar por apresentar a proposta, que diz estar a ser trabalhada desde Maio. O único que acompanhou o BE foi Rui Rio, mas até o líder do PSD explicou melhor o que vai propor, diferente do que quer o Bloco mas inspirado pelo Bloco: alterar a tributação sobre as mais valias imobiliárias, criando várias taxas que serão tanto mais baixas quanto mais tempo o proprietário ficar com o imóvel. Valerá a pena?

Falando com fiscalistas sobre este tema, descobre-se, como aliás é habitual nas incursões pelo nosso sistema fiscal, que a tributação das mais valias imobiliárias no IRS tem vários figurinos. Há pelo menos três casos: um em que a tributação da mais valia é realizada em sede de IRS por metade do seu valor, quando se considera ser um rendimento esporádico; outra em que é considerado um rendimento como outro qualquer e por isso sujeito à tributação normal; um terceiro caso em que a mais valia é tributada à taxa autónoma de 5%, se o prédio vendido foi reabilitado e está situado na área de reabilitação urbana, definida pelas autarquias.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Desses três casos qual é aquele que o BE e agora também o PSD quer mudar? Pressupõe-se que é o segundo: aquele em que o rendimento é totalmente englobado elevando a taxa de IRS. Mas é uma hipótese, já que ninguém estará a pensar reduzir os benefícios fiscais à reabilitação quando precisamos de aumentar a oferta de casas ou andar a tributar quem obteve um ganho ocasional. Mas realmente não sabemos.

Este pequeno exemplo – e nem falamos no IRC, no IMI e no IMT – mostra bem a complexidade do nosso sistema fiscal. Conscientes disso, os responsáveis políticos deveriam ter o bom sendo de serem mais ponderados nas propostas que trazem, todos os anos, das suas férias de Verão. Se este afã de alterar impostos já era mau no passado, nestes últimos três anos atingimos um nível de total irracionalidade, no concurso do Outono de quem dá mais aos “pobres” e tira mais aos “ricos”. Um “tira e põe” impostos e taxas que segue, ao mesmo tempo, o tema da moda, aquele que na espuma dos dias gera mais gritaria. Agora são as casas. Já foi o alojamento local.

Como é que um imposto sobre as mais valias obtidas na venda de uma casa resolve ou, digamos, modera a subida do preço das casas? Qual é o raciocínio? As pessoas deixam de vender para não pagarem o imposto?

Aquilo que está mais à mão, para qualquer governante que quer mostrar que faz coisas, é obviamente um imposto. Ninguém pensa que tributar é, para quem paga, um custo que se reflecte rapidamente no preço, se estamos, como acontece, numa situação de défice de oferta de casas. “Vamos lixar esses tipos que andam a ganhar dinheiro a vender casas” acaba por se transformar em “lixar” as pessoas que precisam de casa.

Basta tentar responder a esta pergunta: como é que um imposto sobre as mais valias obtidas na venda de uma casa resolve ou, digamos, modera a subida do preço das casas? Qual é o raciocínio? As pessoas deixam de vender para não pagarem o imposto? Muito bem: reduzimos o número de transacções imobiliárias. E o que fazem com a casa? Arrendam-na? A uma renda mais baixa ou pelo contrário mais alta? Porque, como não vendem, não reinvestem e assim se corta um dos circuitos de aumento da oferta de casas. Ou seja, um imposto adicional cria condições para se assistir a um salto no preço das casas e alimentar ainda mais a sua subida por se ter reduzido os proveitos para reinvestimento.

Antes de se atirarem para um qualquer imposto convinha perceber qual é o problema. E o problema é: falta de casas. É preciso aumentar a oferta. O agravamento da tributação sobre o imobiliário reduz a oferta, ou pelo menos modera o seu crescimento, não a aumenta.

A facilidade com que se criam ou mudam impostos é que permite que se tirem da cartola estas propostas populistas, que agravam os problemas em vez de os resolver. É este facilitismo que gera, todos os anos, este ambiente de susto a todos os que têm de garantir o seu rendimento. A classe política fazia um favor, a si própria e ao interesse do país, se impusesse como regra nunca alterar as regras fiscais no Orçamento e garantir um período mínimo de estabilidade nos impostos.

Há anos ouvimos essa proposta do então ministro das Finanças Sousa Franco, a de não fazer do Orçamento um documento de reforma anual do sistema fiscal. Nunca se concretizou. Mas devíamos pensar seriamente nessa hipótese, especialmente se o novo regime em que vamos viver for este, de coligações variáveis em que é preciso ser notado todos os outonos como o mais generoso a dar e o mais agressivo a tirar dinheiro.

A estabilidade fiscal é há muito defendida como amiga do crescimento económico pelos fiscalistas e economistas. Mas é muito mais do que isso, é um factor de disciplina orçamental e um incentivo a que se estudem medidas mais eficazes do que os impostos para resolver problemas concretos.