Por todo o lado há uma viragem do discurso político à direita e Portugal não fica de fora. Infelizmente, a direita que está a vir ao de cima não é a melhor, mas a dominada por preconceitos que justificam a intolerância. Nem sequer é uma direita conservadora. Os conservadores, aliás, estão a perder esta batalha política, como vemos em França (com a crise dos Republicanos), no Reino Unido (com a deriva dos Conservadores), nos EUA (com o susto em que se tornou o GOP) e, à sua medida, em Portugal (com a substituição do CDS pelo Chega). A direita que está a ressurgir não é a que vê nas comunidades humanas e nas suas tradições as raízes que nos permitem evoluir de modo saudável, evitar excessos, proteger os mais fracos ao mesmo tempo que se dá espaço aos mais criativos, arrojados e afoitos. É uma direita reacionária com medo da mudança, das novas mentalidades e que olha para o passado como algo a manter a todo o custo.

Os sinais são por demais evidentes: um anti-semitismo gritante e despudorado, a assunção de que se é senhor absoluto da razão, a impossibilidade de um diálogo profícuo, a divisão do país entre cidadãos de bem e os demais. Falhas graves na política que até há pouco eram próprias da extrema-esquerda, mas que extravasaram para outros campos. O acentuar da globalização criou problemas na vida de muitas pessoas e não se deram as respostas adequadas. Um destes foi a imigração necessária para manter o Estado social e que teve repercussões no modo como muitos vêem a identidade dos seus países europeus. O resultado foi um sentimento de abandono que as levou muitos a abraçar novos movimentos políticos de direita.

Com a queda demográfica, manter o Estado social requer mais imigrantes e estes alimentam os receios de muitos relativamente ao futuro do país. Estejam certos ou errados, esse não é o ponto aqui. O que interessa é que o receio ou a apreensão existem. O facto é que ser favorável à manutenção de políticas sociais pressupõe ser-se favorável a mais imigração. E é neste ponto que surge a fissura no eleitorado socialista.

Um eleitorado mais envelhecido, mais pobre e mais dependente do apoio do Estado é também aquele que mais receia a imigração. No emprego e na descaracterização do país tal como estes o vêem. Este eleitorado é socialista em questões económicas, mas pode ser reacionário em matéria de identidade. E este é um problema com que o PS vai ter de lidar futuramente, a começar já em Março. Como é que o PS vai manter este eleitorado com interesses tão distintos?

Quem está a fazer o esforço por ir ao seu encontro é o Chega. Com poucos dias de intervalo, André Ventura conseguiu ter dois discursos totalmente contraditórios na Assembleia da República. A 21 de Novembro recebeu Marine Le Pen e disse que era contra esta União Europeia. Logo a seguir,  a 29 do mesmo mês, afirmou, também no Parlamento, que o país podia gastar o equivalente a 10, 20, 30 ou 40 TAPs se isso fosse necessário para garantir o aumento dos pensionistas. Ninguém lhe perguntou se a outra UE que o Chega pretende estará disposta a pagar uma nova onda de despesismo populista. Mais tarde, no dia 6 de Dezembro, afirmou que, com ele como primeiro-ministro, o novo aeroporto de Lisboa é para ser feito em 4 anos. Ninguém lhe pergunta onde vai buscar a mão-de-obra. Será que é à imigração que tanto critica? São demasiadas incoerências, muitas pontas soltas e se puxarmos por uma o castelo de areia, que são as ideias dispersas do Chega, desaba de imediato. A postura do líder do Chega é semelhante ao “o importante é decidir” de Pedro Nuno Santos, mas dito por outra pessoa, de outro campo político com o mesmo Estado e os mesmos contribuintes como pano de fundo. Não interessam as consequências. Essas serão pagas depois e por outros que não Pedro Nuno ou André Ventura. E o caso não é para menos porque Portugal passou há pouco tempo por um doloroso processo de intervenção externa que evitou a bancarrota do seu Estado. É algo que nenhum português, nenhum pensionista quer repetir e seria importante que um político, que pondera criar condições para que esse passado se repita, fosse escrutinado da mesma forma que o devem ser os partidos de extrema-esquerda e o próprio Partido Socialista, que tem culpas no cartório no que concerne ao resgate financeiro de 2011.

O Chega está pronto a atacar o eleitorado socialista que se encontra dividido entre dois dilemas. Desconheço se Pedro Nuno Santos ou José Luís Carneiro estão cientes da ameaça. Mesmo que estejam, o desafio que têm nos próximos anos não vai ser fácil para o PS. Durante 8 anos, António Costa alimentou o lobo; agora, os seus herdeiros vão ter de fechar as portas para proteger o galinheiro. O lobo ou as galinhas. O Chega ou o PS. Mais tarde ou mais cedo um dos partidos vai acabar por desaparecer. Falta saber se o país vai assistir de fora ao fenómeno ou vai ser prejudicado por isso.

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