O próximo escrutínio de dia 26 de setembro será o mais importante das últimas duas décadas. Depois de um período de governação relativamente sereno da coligação União-SPD e de uma reação resoluta e decisiva à crise financeira na Europa, que permitiu o sustento da União Europeia e das suas diversas instituições – algo que deveria ser reconhecido unanimemente, independentemente do apreço que tenhamos pela ainda chanceler -, a Alemanha passa agora uma prova de fogo a nível político: a era pós-Merkel. A saída da carismática química alemã de uma chancelaria que ocupa há quase 16 anos marcava uma mudança radical no panorama político do país do centro europeu e mostrava-se como uma oportunidade de ouro para a capitalização política de partidos populistas à esquerda e à direita – como a AfD ou o Linke – com a ameaça da instabilidade e do impasse governativo no horizonte. As sondagens, sucessivamente apresentadas nos últimos dias e de grande confiança na Alemanha, apresentam uma resposta extremamente adulta por parte dos eleitores alemães e uma grande maturidade política na relação com o establishment, por um lado, e na relação com o sistema político, por outro. O caso de estudo eleitoral alemão tem muitas indicações a dar ao Mundo livre e às suas realidades políticas.

Em primeiro lugar, é fundamental realçar a capacidade e a humildade dos partidos e organismos políticos alemães que, nas pessoas dos seus líderes, muitas vezes priorizam a estabilidade e o bem-estar político da Nação acima dos seus próprios ganhos e interesses políticos. A estabilidade da coligação CDU/CSU-SPD mostra, precisamente, a capacidade de governar ao centro e de encontrar um ponto político de encontro entre a força de centro-direita e a de centro-esquerda, numa ação que se superiorizou a intenções e ganhos políticos mesquinhos e que seriam penalizadores no médio, longo prazo. As figuras de Merkel e Schulz deveriam ser vistas na Europa como ícones políticos e como exemplos no altruísmo e na capacidade de sararem diferenças políticas que, na esmagadora maioria dos países europeus, são cada vez mais inultrapassáveis. O europeísmo ferrenho de ambos caracterizou-os dentro e fora da Alemanha, e o seu exemplo enquanto coadjuvantes na governação do mais forte país da Europa deveria ser um exemplo político a seguir.

Esta estabilidade permitiu também o afastamento de franjas populistas que, noutras condições, tiveram no cenário político alemão condições prósperas ao seu avanço. À esquerda e à direita, AfD e Linke foram contidos por uma permanente necessidade do construtivismo da sua oposição. Mais do que partidos antissistema, munidos de um euroceticismo constante e até com ligações a partidos obscenos do passado, como o Nazi (no caso da AfD), ambos aproximaram-se do construtivismo e, dentro do possível, de posições mais moderadas e equilibradas.

Para último, fica apenas a nota da maturidade do eleitorado alemão que, com uma preferência clara pelo establishment e pelo centro em relação oas extremos, permite a manutenção de um sistema político em tudo evoluído, maduro e equilibrado. Um sistema em que convivem liberais clássicos, ecologistas, socialistas, democratas-cristãos e populistas de esquerda e direita – FDP, Grüne, SPD, CDU/CSU, Linke e AfD – onde há reconhecimento dos predicados de cada um e onde há grande construtivismo, que permite estabilidade e evolução no campo político. Esta afirmação não deve ser lida como uma defesa cega ao establishment em si, mas antes como o reconhecimento da capacidade de preferir o democrático ao antidemocrático, o centrismo ao extremismo e a ordem à desordem.

É certo que é cedo para fazer premonições sobre o futuro político da Alemanha a médio prazo. Armin Laschet não tem o carisma e o brilhantismo político de Angela Merkel e Scholz, com a sua falta de experiência e com uma derrota na candidatura à liderança do SPD em 2019 no seu palmarés, não tem o reconhecimento e a capacidade política do seu antecessor Schulz. No entanto, a maturidade que o eleitorado alemão mostra, materializada na provável eleição de Scholz e do SPD (com uma provável coligação pós-eleitoral com a União), é prova de enlevo, de capacidade de procurar o bem do país acima de interesses partidários e da capacidade de apoio de partidos acima das suas diferenças ideológicas.

Num país em que o executivo parece sucessivamente fugir do centro e dar a mão à esquerda e à extrema-esquerda, há lições a serem retiradas do legado de Merkel e da sua provável continuação com Scholz. O centro é preferível aos extremos, a capacidade de governar e construir politicamente em conjunto com partidos com bases ideológicas diferentes é um predicado e a capacidade de assumir as boas medidas e iniciativas dos demais não é, na realidade, uma fraqueza, mas antes uma força. A culpa não é só dos partidos políticos; é também do eleitor comum que vê a política como um campo análogo ao futebol e às paixões que desperta. No próximo dia 26, a Alemanha e os seus eleitores serão, mais uma vez, um exemplo político para os restantes. Nesse mesmo dia 26, o mais provável é que nós próprios, nas nossas eleições autárquicas, não o sejamos. Portugal tem muito a aprender com o povo alemão. Tenhamos a capacidade de o reconhecer.

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