O Governo português anunciou recentemente o lançamento de concessões para exploração de energia eólica offshore na costa Atlântica. A potência instalada poderá atingir os 10 GW, o que corresponde a cerca de metade da potência elétrica total instalada de todas as fontes energéticas (solar, eólica, hídrica, gás, biomassa). O aproveitamento daquele potencial energético vai exigir investimentos de dezenas de milhares de milhões de euros em torres gigantes ao largo da costa de Viana do Castelo, de Leixões, da Figueira da Foz, da Ericeira e de Sines.

Este e outros investimentos na área das renováveis fazem parte da resposta que em todo o mundo os países estão a dar à crescente procura de eletricidade. A eletrificação com recurso a energias renováveis é essencial para alcançar os objetivos de descarbonização para fazer face às alterações climáticas. Este movimento foi acelerado pela prioridade dada à segurança energética pelos governos europeus no seguimento da guerra na Ucrânia.

No caso de Portugal, é também urgente acelerar os investimentos nas renováveis para reduzir a elevada dependência energética, sobretudo devido ao consumo de combustíveis fósseis na área dos transportes. A grande dependência do petróleo, e também do gás, expõe a economia portuguesa a choques externos, agravando os défices da balança comercial.

Na era dos combustíveis fósseis Portugal teve sempre uma enorme desvantagem competitiva. Não tínhamos carvão nem petróleo. A primeira Revolução Industrial, associada à máquina a vapor, favoreceu os países como o Reino Unido e a Alemanha, com reservas de carvão. A segunda revolução industrial, associada ao motor de combustão, foi alimentada pelo petróleo. Com escassas reservas, a Europa teve de procurar fornecedores de petróleo noutras geografias – Médio Oriente, Rússia e Estados Unidos – e teve, por outro lado, de desenvolver energias alternativas, com destaque para a nuclear.

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A mudança de paradigma energético está a gerar uma enorme deslocação de recursos para a produção de eletricidade gerada por energias renováveis, que têm como fonte o sol, o vento, os rios e o mar. A abundância destes recursos pode dar uma vantagem competitiva a Portugal na área energética pela primeira vez desde a Revolução Industrial. No entanto, para aumentar a riqueza do país não chega ter recursos abundantes.

Para além dos recursos, o lugar que os países ocupam na economia mundial depende da tecnologia disponível e da qualidade das suas instituições.

No século XV e XVI, aproveitámos o mar e liderámos os Descobrimentos porque estávamos na linha da frente da construção naval. O Infante Dom Henrique promoveu o desenvolvimento da caravela recorrendo aos melhores técnicos nacionais e estrangeiros. Na área das energias renováveis, Portugal tem uma história antiga de sucesso que remonta ao grande investimento em barragens desde a década de 1950. A engenharia civil portuguesa continua a ocupar lugares de destaque nos rankings internacionais.

Portugal foi pioneiro no desenvolvimento da tecnologia para a exploração de energia eólica offshore, com o projeto Windfloat Atlantic localizado a 18 km da costa de Viana do Castelo e que entrou em funcionamento em 2019. Este projeto foi desenvolvido pela Ocean Winds, uma parceria da EDP com a empresa francesa ENGIE, estando a tecnologia ser implementada em países como a Coreia do Sul. Dada esta vantagem, não deixa de surpreender o atraso de Portugal no lançamento de novos projetos de parques eólicos offshore. É também necessário saber aproveitar a existência em Portugal de centros de desenvolvimento de multinacionais como a Vestas, uma das líderes mundiais na produção de geradores de energia eólica. O uso de tecnologia desenvolvida em Portugal é uma condição para conseguirmos transformar os recursos que alimentam as energias renováveis em mais riqueza. Se nos limitarmos a importar tecnologia, a abundância de sol, vento, rios e mar não resolverá o problema da dependência externa de Portugal na área da energia.

Como referi acima, o aproveitamento destas fontes de energia renovável vai exigir enormes investimentos. Numa economia muito endividada e com escassez de capital, o investimento direto estrangeiro é muito bem-vindo, sendo mesmo essencial. No entanto, se as empresas portuguesas não conseguirem participar em consórcios internacionais, a parte mais importante do valor será transferida na forma de lucros para os países de origem dos investidores.

Finalmente, para que a mudança de paradigma energético seja uma fonte de criação de riqueza é também necessário que uma parte significativa das estruturas das torres eólicas seja produzida em Portugal. A construção dos parques eólicos offshore gerará um grande impulso na economia. A manutenção destas estruturas será também uma importante fonte de procura de novos serviços e de dinamização dos nossos estaleiros navais. No entanto, os efeitos só serão estruturais se as empresas portuguesas conseguirem integrar a cadeia de produção desta indústria nos segmentos de maior valor, participando na construção dos parques eólicos offshore em Portugal e no estrangeiro. Para além do espírito empreendedor dos nossos empresários, é necessário que o Estado e as suas instituições sejam ágeis e criem um contexto favorável ao desenvolvimento das empresas deste cluster, seja nos licenciamentos, seja através de um quadro fiscal menos penalizador, seja através da qualificação de mão-de-obra para as novas ocupações que vão surgir associadas a esta nova área de negócio. Esperemos que o Estado não esteja apenas a pensar no valor que vai receber pelas concessões e em impostos, descurando o papel das empresas numa das mais importantes transformações da economia portuguesa.

Sempre nos queixámos de sermos um país com escassez de recursos naturais. Agora que a tecnologia nos vai permitir transformar em energia elétrica o sol, o vento, os rios e o mar, não haverá desculpa se forem outros a aproveitá-los. Depois queixem-se que o país é só turismo. Pelo menos esse sector tem sabido aproveitar o sol e o mar, contribuindo de forma decisiva para o equilíbrio externo da economia portuguesa.