Cresci a ouvir a minha avó vangloriar-se do seu “bacharelato na Ricardo Espírito Santo”. O conceito orgulho próprio adquiria todo um novo significado quando ela falava do seu bacharelato. “Fui a única das minhas amigas que tirou um bacharelato”, dizia ela.

Hoje o bacharelato da minha avó vale pouco mais que uma lata de atum. Nada tenho contra o atum, mas, nos dias que corre, tudo o que for menos que um duplo mestrado em engenharia eletrotécnica com Erasmus em Helsínquia, é considerado analfabetismo.

E agora? Como fica a minha avó? E o atum?

Ao contrário da minha avó, duquesa do bacharelato, primeira do seu reino, a nossa geração é dos mestres pós-graduados. Dos que foram estudar para fora, ou “para o estrangeiro”, como diria a minha avó. Somos a geração das línguas, onde qualquer maltrapilha de 12 anos sabe perguntar onde são os Jerónimos em espanhol e inglês.

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Quisemos ir para Erasmus, fomos para Erasmus. A seguir ao Erasmus fomos dar uma volta pelos países que circulavam o país onde fizemos Erasmus, porque viver num país só não chegava para nós. Fomos tirar mestrado, uns fora, outros na Nova ou na Católica. Acabámos o mestrado e fomos fazer mais uma viagem. “Já que vou começar a trabalhar ao menos aproveito antes”.

Começámos a trabalhar em setembro. Chegámos a outubro com dúvidas. Demos mais uma oportunidade. Chegámos a fevereiro fartos. Queremos abrir um restaurante e ir para a Tailândia dar aulas de sushi.

Será isto uma atitude de preguiça, de facilitismo, típica de um millenial mimado? Ou um reflexo de uma geração que cresceu a ouvir a profissão que tinha de seguir? Ou nenhuma das duas? Ou estou apenas a formular perguntas vagas?

A verdade é que, de repente, o nosso sonho já não é ser CEO de uma empresa cotada em bolsa. Queremos ser empreendedores e ir de ténis da adidas para o trabalho. Tomamos banhos de hora e meia à espera de ter uma ideia milionária. Falamos dos negócios dos outros com inveja e achamos que com um bocadinho de esforço também lá chegávamos. Finalmente, à sexta feira, deixamos os 2 euros da praxe no euromilhões, e rezamos para que dessa vez não calhe a um habitante de Trás-os-Montes.

E isto porquê? Porque passámos anos e anos a achar que o que gostávamos na realidade não era profissão para nós. “Porque ser músico em Portugal não dá dinheiro”. Porque chegámos à faculdade sem qualquer noção do que queríamos, mas como toda a gente vai para a faculdade aos 18 e eu até gosto de matemática, vou para a nova tirar gestão e depois vou trabalhar numa empresa tipo Vodafone, na parte das matemáticas.

O que queríamos ser realmente morreu quando entrámos para a faculdade. A partir daí ou somos gestores, ou médicos, ou engenheiros ou advogados. Não acho que a culpa seja nossa, nem acho tampouco que seja dos que estão acima de nós. É apenas uma constatação estatística, contrariada por meia dúzia de pessoas que vão de ténis para o trabalho.

Não vou também pela generalização barata que todos os mestres pós graduados da nossa geração odeiam o que fazem. Mas esses nem perdem tempo a ler um texto destes. Ou se calhar até perdem, e riem-se.

De facto, se não mudarmos nada, o melhor é rir com eles. Rir de mim que não sei quem é o espírito santo do bacharelato da minha avó, rir de ti que achas que as ideias milionárias se têm no banho, rir de nós que temos demasiado medo de mudar o que quer que seja.

Bem, isto agora começou a ficar sério. É melhor fechar o texto e continuar o meu trabalho na Vodafone, na parte das matemáticas.

Advogado estagiário