Foi dia da Mãe no último domingo: sempre bom mote para voltar à relação das experiências das mães com a taxa de natalidade, esse problema-bomba do país. Eu sei. Estamos num tempo em que ganha terreno a visão de que as mulheres são objetos produtores de filhos, em vez de seres humanos com direito à busca da felicidade. E que a questão da natalidade é uma ótima desculpa para se assumirem como necessários todos os atropelos a direitos e liberdades que forem necessários.

Já tive a oportunidade de ler uma mulher reacionária, que conheço e não tem filhos, defendendo que se estrague a vida profissional às mulheres que têm de facto filhos, mantendo as distorções do mercado de trabalho, a ver se vão para casa dedicar-se à sua divina missão procriadora. Vem a mim, The Handmaid’s Tale. É assim uma posição entre o hilariante dos comunistas quando dão em arvorar-se nos verdadeiros defensores dos pequenos empresários e a perversidade dos padres que participam orgias gay dando sermões e penitências com grande severidade às fiéis femininas que não guardam virgindade até ao casamento, esse sacrilégio. Como se vê, manter desigualdades no mercado de trabalho tem dado um ótimo resultado em termos de aumento da taxa de natalidade em Portugal (#not).

Bom, para conversa útil é melhor irmos buscar um estudo de Heather Krause que analisou o nível de felicidade de pais e mães depois do nascimento do primeiro e do segundo filho. No primeiro filho, uma grande proporção (semelhante) de pais e mães teve um acréscimo de felicidade. Depois do segundo filho, os pais tiveram igualmente um acréscimo de felicidade, mas muito menos mães o tiveram e, pelo contrário, quase 40% das mães sentiram decréscimo do nível de felicidade.

Evidentemente esta estatística não é geral. No meu caso, por exemplo, não tive de todo esta experiência depois do nascimento do meu segundo filho. No entanto, eu tenho a sorte de ter um pai que participa igualitariamente, uma rede familiar que dá apoio e capacidade de pagar ajuda doméstica (conjunto mágico de fatores que tenho verificado ser salva-vidas das mulheres). Acresce outro aviso: os dados são dos Estados Unidos, onde cerca de metade das mães não regressa ao trabalho depois do nascimento do segundo filho – e este confinamento à esfera doméstica pode contribuir para os números preocupantes de bem-estar das mães. Quem sabe, também para a queda da taxa de natalidade nos Estados Unidos.

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Em todo o caso, não custa imaginar que um segundo filho seja um acréscimo de stress para muitas famílias também em Portugal. Financeiramente – os filhos são sérios sorvedouros de dinheiro, o que se complica com o baixo nível de rendimentos em Portugal. O mesmo para o nível de cansaço. A maioria das tarefas domésticas e de cuidado aos filhos cai em cima das mães, e dois filhos, como diria um ex primeiro-ministro, ‘é só fazer as contas’, mais exigente que um. Ainda mais: a juntar à desigualdade salarial entre homens e mulheres há também o maternity gap. As mães perdem relativamente cerca de 5 a 7% no ordenado por cada filho.

É do interesse da comunidade que as políticas públicas contrariem esta diminuição de felicidade das mães depois do segundo filho. Ou, crescentemente, as mulheres – que, tal como os homens, têm a mania que merecem ser felizes – têm um filho que lhes traz o sentido e a alegria da maternidade e ficam por aí, muito obrigadas.

Creches e educação de infância de acesso universal financiada pelo estado é de suprema importância. Como muitos notaram aquando da discussão do financiamento do ensino superior, esta medida para os infantes é mais estrutural.

Transportes públicos baratos (estão a tornar-se, e, à parte considerações de financiamento, a redução do preço dos passes foi uma boa medida) e funcionais também são essenciais. No funcionais os transportes falham, e de modo mais consistente com este governo, com o serviço a piorar, equipamentos como escadas rolantes e elevadores consistentemente avariados (é imaginar uma mãe com dois filhos pequenos a subir a escadaria do Chiado), atrasos reiterados.

A possibilidade de descontar as despesas com filhos no IRS, desde fraldas a roupa à totalidade do que se gasta em saúde e educação. Isentar de IVA bens como as ditas fraldas, chupetas e outros artefactos necessários para bebés e crianças.

Estudar formas de pagar às mães a externalidade positiva (é o nome que se dá em economia) que geram para a sociedade ao terem filhos – sendo que os custos, profissionais e de felicidade, são todos suportados pelas mães. Bonificação fiscal às mulheres por cada filho? Não sei. Sei que as mães têm custos específicos exclusivos por uma realidade que beneficia a comunidade.

Por fim, talvez uma campanha de informação, junto do público e das empresas, para diminuir o preconceito profissional para com as mães. Segundo Shelley J. Correll, Stephen Bernard e In Paik, as mães são submetidas a parâmetros mais exigentes que as mulheres sem filhos e os homens. Os empregadores são mais estritos em termos de performance e pontualidade com as mães, e é-lhes dada muito menos vezes permissão para chegar tarde ao emprego. Ser mãe é visto, imediatamente, como uma desvantagem. Em vez de maior compreensão, há maior exigência com as mães.

Apesar de, pelo menos em algumas profissões, as mães de vários filhos se tornarem mais produtivas do que as mulheres sem filhos. Porventura pelo traquejo que se ganha a priorizar, na gestão do tempo e a despachar tarefas. No entanto, a hostilidade laboral com as mães é tão grande que, pelos mesmos Correll e Bernard, as mães comprovadamente competentes são vistas como mais frias, menos gostáveis, mais fracas nas características interpessoais.

E um conselho geral. Empresas e estado deviam perceber que é investimento de longo prazo facilitar a vida às mães.