Os debates já arrancaram, entre os 25 minutos fugazes que separam o princípio e o fim de cada um deles, pouco tempo e habilidade tem sobrado para falar de alguns dos grandes desafios que se colocam diariamente aos portugueses.

Entre os temas mais esquecidos está um particularmente imprescindível: a habitação. Não se trata de um tema de nicho ou do desafio exclusivo das novas gerações. Estamos a falar de um dos maiores desafios sociais dos próximos tempos, que coloca em causa o quotidiano e o amanhã de jovens e idosos, de vulneráveis e classe média remediada, de estudantes e trabalhadores, de urbanos e rurais, de solteiros e casais, de portugueses e estrangeiros.

Infelizmente não será novidade para ninguém a falta de acesso a habitação a preços acessíveis ao poder de compra médio dos portugueses. É um reflexo da estagnação errática a que sucessivos governos de esquerda nos trouxeram: um crescimento zero do salário médio, incapaz de acompanhar um mercado crescentemente global, e uma política sucessivamente protecionista que cristalizou o mercado imobiliário, desincentivando a construção para venda e arrendamento.

Na realidade, se podemos dizer que os portugueses têm um problema do lado da procura (ao concorrem com o poder de compra de um mercado naturalmente aberto a muitos outros), não é menos verdade que do lado da oferta se verificou uma paralisação no evoluir da oferta do parque habitacional.

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Nesta encruzilhada, piorada por uma tempestade no aumento do custo das matérias-primas provocada, importa discutir, em 2022, que políticas públicas devemos assumir. Esse também deve ser o papel daqueles que se propõem governar o país: com que caminho podem os portugueses contar na hora de procurar casa. Quais as respostas que se apresentam a votos no dia 30 e de que forma pretendem as diferentes formações políticas aplicar o PRR no pacote da habitação?

Ora, avaliando as intenções eleitorais até agora manifestadas, as tendências: há uma esquerda que teima aplicar os erros do passado, há uma direita que ignora a matéria, nada de relevante dando a conhecer e há um partido de sempre que procura respostas sólidas e responsáveis para o amanhã.

À esquerda, entre as promessas cheias de nada do PS, a esquerda radical propõe introduzir a regulação de preços no arrendamento. Sim, além do fetiche pelo novo confisco que pode vir a ser o englobamento dos rendimentos prediais nos escalões do IRS (adivinhem quem vai suportar o custo final?), os laboratórios do BE e do PCP, inspirados pelo fracasso do Labour de Corbyn, querem fixar tectos máximos às rendas, ditando o valor que os senhorios podem cobrar aos seus inquilinos.

Não lançando suspeitas sobre as intensões de uma política tão taxativa quanto esta, importa alertar que esta ideia é esmagada pela realidade. Não, limitar o valor das rendas não é uma boa ideia, tem precisamente o resultado inverso: dificultar o acesso ao mercado de arrendamento. Veja-se o caso da Alemanha, onde cidades como Berlim, Hamburgo e Munique adoptaram estas políticas.

Em 2015, as autoridades alemãs permitiram às cidades o controlo de rendas, introduzindo um cap no preço, por um lado, dos novos contratos de arrendamento celebrados em imóveis anteriores a 2014 e, por outro, nas rendas antigas (de modo retroactivo). Este limite fixava-se num valor 10% abaixo do que as entidades locais consideravam razoável. Passados três anos os resultados estavam à vista: uma diminuição para metade do arrendamento disponível nas principais cidades que introduziram esta limitação e o aumento anual de 10% no valor do mercado de arrendamento nas cidades vizinhas (quando o crescimento do mercado de arrendamento variava entre 1 a 2% ano). Embora uma parte da esquerda feche os olhos, é simples perceber o que se passou: o mercado de arrendamento em cidades como Berlim, Hamburgo e Munique deixou de ser atractivo e os proprietários optaram por um de três cenários: usar as casas para seu proveito, vendê-las ou deixá-las vazias, aguardando por uma alteração legal ou pelo surgimento de uma boa oportunidade de negócio.

Esta experiência apta a funcionar numa qualquer realidade virtual já falhou noutros contextos, como Amesterdão, Barcelona ou Paris. Sob o fantasma da gentrificação e da percepção de que o turismo é uma ameaça, a esquerda portuguesa compromete-se neste acto eleitoral a repetir alguns dos maiores disparates das esquerdas europeias. Num país em que o Estado Central e os Municípios têm uma fatia tão considerável de património devoluto, onde apenas 26% da população vive em casas arrendadas e onde a oferta pública e cooperativa não atinge os 3% da oferta – compare-se, por exemplo, com a Holanda com cerca de 35%. Seria de esperar que a esquerda contribuísse de forma séria para soluções e não de forma danosa para quem procure comprar ou arrendar habitações.

Do outro lado, na área política do CDS-PP, há medidas claras, realistas e úteis. Aqui apresento cinco.

Desde logo, apoiar o poder de compra para que as novas gerações possam optar em liberdade por arrendar ou comprar a primeira casa – via Banco Português de Fomento, prestando o sistema de contra-garantia na concessão de créditos hipotecários, através de um mecanismo de financiamento que suporte, por um empréstimo sem spread, as despesas iniciais (no caso de compra, o sinal e os elevados custos adicionais, atingindo os 100% do valor necessário; no caso de arrendamento, o valor da caução).

Em segundo lugar, enfrentar o mercado imobiliário do lado da oferta, flexibilizando muita burocracia que persiste ora na construção nova, ora na reabilitação.

Importa também estimular fiscalmente a construção orientada para o arrendamento (‘build to rent’), removendo impedimentos à construção no sector social e privado e estimulando a habitação social necessária, suprindo a chaga que é o desaproveitamento do património público que se encontra disperso e devoluto.

A quarta medida é transformar o IMI, passando a ter em conta a dimensão da família e não apenas o tamanho e tipologia da habitação.

Por último, isentar o pagamento de impostos (IMT e imposto de selo) e assegurar a cedência de créditos bonificados na compra da primeira casa própria.

De facto, os debates estão a passar ao lado de um dos mais graves problemas da actualidade. Se não o resolvermos a bem e com inteligência, acordaremos um dia com uma sociedade a querer resolvê-lo à bruta. Não pretendemos ser todos ocupas.