O meme “Winter is coming” é um fenómeno cultural, quase global, resultante do primeiro episódio, da primeira época, da série televisiva Game of Thrones. O antigo presidente dos Estados Unidos, com a sua habitual necessidade de atenção e validação, tentou aproveitar o sucesso da frase alterando-a para servir as suas necessidades propagandistas. Em 2019, colocou um post no Instagram com a frase “The wall is coming”, facilmente identificado pelo tipo de letra utilizado. E em 2019, numa reunião com o seu gabinete (o equivalente ao Conselho de Ministros), e na icónica Cabinet Room’s Oval Table, colocou um poster com a sua imagem e com a frase “Sanctions are coming”, como se fosse uma criança de escola a mostrar um cartaz do seu filme ou banda favorita. Porém, nos próximos meses, há outro tipo de acontecimento que se aproxima para o ex-Presidente e líder dos Republicanos MAGA, igualmente intenso e devastador como o mais frio dos invernos. Para Donald Trump, “Indictments are coming”.

O Procurador-geral do Distrito de Manhattan, Alvin Bragg, deu posse a um Grande Júri que avança a todo o vapor na investigação sobre o pagamento secreto, e ilegal, à atriz pornográfica Stormy Daniels para esta não partilhar com a imprensa a sua história de ter tido sexo com Trump (enquanto a esposa deste estava num hospital após o nascimento do seu filho mais novo). Este caso já levou à prisão de Michael Cohen, o então advogado de Trump que passou os cheques para pagar o silêncio de Stormy, uma clara violação às leis de financiamento eleitoral americano. Soube-se que o antigo Presidente foi convidado a ser testemunha perante o Grande Júri, o que é um indicador sólido de que a investigação está a terminar e que o Grande Júri quis dar uma oportunidade ao futuro indiciado por crimes a dar a sua versão antes de a acusação formal ser tornada pública. Isto num Estado, Nova York, onde a Procuradora-geral está a conduzir um processo cível devido a atos de fraude fiscal ao longo de vários anos por Trump, família e empresas. Uma das investigações já resultou na Trump Organization ter de pagar multas avultadas, e agora Letitia James procura outra multa de 250 milhões de dólares devido a alegadas inflações de bens para benefícios fiscais e/ou obtenção de empréstimos.

Mais para sul, em Fulton County, Geórgia, é Fanni Willis, a Procuradora do Distrito, que tem também um (segundo) Grande Júri que poderá resultar na emissão de uma acusação formal ao ex-Presidente devido à tentativa de corromper o processo eleitoral desse Estado. De facto, Trump, no momento em que “tudo valia” para tentar desacreditar as eleições, ou simplesmente roubar o resultado, fez um telefonema ao então Secretário de Estado da Geórgia, Brad Raffensperger, a exigir que fossem “encontrados” 11.780 votos (“mais um do que temos”). Depois de um primeiro Grande Júri que avaliou as evidências e produziu um relatório para a Procuradora, este Segundo Júri poderá agora iniciar o processo criminal onde Trump será um dos (possíveis) acusados. Os potenciais crimes são solicitação de fraude eleitoral, declarações falsas a funcionários do Governo e extorsão.

Depois há Jack Smith, o Procurador-especial nomeado por Merrick Garland, Procurador-geral do Governo americano. Descrito por Trump como “um monstro”, um “bandido”, um “criminoso”, um “cão danado psicótico”, Smith, antes de ter aceitado o convite de Garland, foi Procurador-assistente no Departamento de Justiça e chefe da Secção de Integridade Pública do departamento. Foi também o Investigador-chefe da Kosovo Specialist Chambers, um tribunal internacional em Haia encarregado de investigar e processar crimes de guerra no conflito do Kosovo. Jack também não perde tempo, em sentido contrário ao receio de muitos analistas e Democratas que pensavam que a decisão de Garland de nomear um Procurador-especial, e assim manter a independência da investigação e a imparcialidade do Departamento, iria atrasar excessivamente as investigações. Pessoas com conhecimento dos processos têm dito à imprensa que as conclusões serão tornadas públicas antes do verão, com referências criminais (ou não) para o Procurador-geral.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No caso de Jack Smith são duas as investigações: a remoção de documentos governamentais da Casa Branca para a propriedade de Trump em Mar-a-Lago, num total de cerca de 11.000 documentos, incluindo cerca de 100 marcados como classificados, secretos e ultrassecretos. Pelo que se tem sabido na imprensa, alguns deles sobre as capacidades nucleares de um dos aliados dos Estados Unidos. Possíveis crimes contra o povo americano são de espionagem, obstrução da justiça e manuseio impróprio de documentos oficiais. Trump e a sua equipa de advogados têm tentado de tudo para tentar atrasar esta investigação, com recursos atrás de recursos das coisas mais triviais às mais consequentes.

A segunda investigação é o envolvimento de Trump no ataque ao Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021 (algo mencionado repetidamente neste espaço, principalmente com o trabalho feito pela Comissão6janeiro na Casa dos Representantes no mandato anterior, resumido neste artigo de opinião). Apesar de todo cuidado com a investigação e o trabalho do Grande Júri constituído para esse caso, à porta do edifício onde o Grande Júri está em funções tem sido um rol de “who is who” neste episódio, desde os advogados da Casa Branca durante a Administração Trump, até aos advogados do Presidente, à sua filha e genro, e ao Vice-presidente Pence, que luta contra a intimação judicial para testemunhar sobre o teor das suas comunicações nesse dia com a Sala Oval. Informação tornada pública faz acreditar que a investigação de Smith em relação a este caso seja muito mais ampla do que apenas as ações no dia 6 janeiro: também manobras que aconteceram nas semanas antes, tal como a criação de “eleitores alternativos” para o Colégio Eleitoral, e nas semanas depois, como fraude por obtenção de donativos para uma causa para depois serem usados noutra sem autorização dos dadores.

Tudo isto faz pensar que, um inverno de descontentamento, aflição, e dinheiro em advogados está no horizonte do antigo Presidente nesta primavera de justiça nos Estados Unidos. Deixemos os dragões voar.