Todos conhecemos a tradição estatista do país, mas os tempos evoluem e há práticas inconciliáveis com a igualdade e o respeito que todas as instituições, sejam estatais ou privadas, devem merecer do próprio Estado. Vem isto a propósito de estarmos perante mais uma oportunidade, que se espera não seja perdida, de tratar o ensino superior privado em igualdade de circunstâncias com o estatal e de não se persistir na menorização do setor sem qualquer fundamento lógico, nem justificação académica, apenas por puro preconceito e insistência numa prática ideologicamente datada, desrespeitosa para com as instituições e discriminatória para quantos estudam ou desejam fazê-lo numa escola superior privada.

Já várias vezes escrevemos sobre a visão estatista que existe em muitas instituições de saúde do SNS e que consideram dever dar prioridade nos estágios aos estudantes oriundos das escolas do Estado. Em que se fundamenta esta ideia é algo que não se descortina e, apesar de sucessivos reparos junto do MCTES e do Ministério da Saúde, nada muda e as escolas privadas continuam à mercê das administrações hospitalares ou ACES. Para agravar o problema, e à boa maneira portuguesa, alguns pensam que o melhor é não protestar pois ainda podem fazer pior e, no limite, não aceitarem os estudantes.

Felizmente, algumas administrações assumem posições colaborativas e coordenam a realização dos estágios com todas as escolas interessadas, mas outras mantêm a ideia de que, como instituições do Estado, devem dar prioridade aos estudantes das escolas estatais, esquecendo-se de que os estudantes têm todos os mesmos direitos, que a todas as privadas é reconhecido interesse público e que o Estado existe para servir a sociedade, não para se servir a si próprio e às suas instituições.

Situação idêntica, mas ainda mais grave do ponto de vista institucional, é a impossibilidade legal criada pelo Decreto-Lei n.º 66/2018, de 16 de agosto, de as escolas privadas poderem reconhecer graus e diplomas estrangeiros, medida reservada às escolas estatais.

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Não deixa de ser curioso que, no período de preparação daquele DL, o texto apresentado para discussão, e que mereceu opinião favorável dos representantes do ensino superior privado, não continha nenhuma fórmula discriminatória. Para espanto de quem conhecia a última versão de trabalho, a aprovada foi contrária à que tinha sido apresentada e discutida com as instituições. Nos mentideros académicos circulou uma versão, que nunca ninguém confirmou, mas que remetia para o Presidente da República a responsabilidade de tal mudança radical. É pena que o Presidente, que de certeza está a par do que circulou, nunca tenha clarificado o que efetivamente se passou para de um momento para o outro a versão posta à discussão ter sido completamente alterada naquele ponto.

Certo é que até hoje a situação se mantém e, apesar de variadíssimas tomadas de posição junto dos responsáveis, seja em atos públicos, seja em reuniões formais, está em discussão uma alteração àquele diploma e, pasme-se, no documento de trabalho é omissa qualquer referência à audição da Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado (APESP), apenas são referidos o CRUP, o CCISP e as Associações de Estudantes e o texto que circula não contempla qualquer alteração no sentido de pôr fim à discriminação.

Como é sabido, as instituições privadas são avaliadas segundo exigências e critérios idênticos às estatais pela Agência de Avaliação e Acreditação (A3ES), passam pelos mesmos crivos, têm de cumprir os mesmos rácios de docentes qualificados, os seus órgãos técnico-científicos têm composição similar, regem-se pelos mesmos princípios e regras, mas para efeitos de reconhecimento de títulos estrangeiros não são consideradas idóneas.

Em que se fundamentou o legislador para plasmar naquele DL um ferrete de discriminação? Nunca ninguém assumiu a responsabilidade, nem o fundamento, e à boca pequena circulou aquela história de que tinha sido uma imposição presidencial.

Tenha ou não sido assim, pouco importa, pois o Governo tem agora a possibilidade de emendar o erro introduzindo uma norma igualitária e colocando em pé de igualdade as escolas privadas com as estatais, reconhecendo a todas a capacidade para poderem proceder ao reconhecimento de graus e diplomas estrangeiros. E se o problema ultrapassa o Governo, é tempo de se quebrar o tabu e proclamar-se urbi et orbi quem impede que a discriminação cesse e a igualdade seja um facto. A benefício da transparência é importante saber quem considera o ensino superior privado como um ator de segunda.

Que se saiba, ainda estamos a tempo (no momento em que escrevo) de emendar o que muitos consideram inaceitável, uma discriminação intolerável e uma menorização nacional e internacional do conjunto de instituições do subsetor do ensino superior privado.

O país não precisa de Estado a menos, nem de Estado a mais, precisa de um Estado que baste, que respeite a iniciativa privada em todas as esferas de atividade, que não atue de forma leonina, que não discrimine setores a seu benefício, que reconheça as escolas privadas como parceiras credíveis e responsáveis de acordo com os critérios avaliativos que estão obrigadas a respeitar. Se continuarem excluídas de poderem reconhecer graus e diplomas estrangeiros em igualdade de circunstâncias com as estatais, manter-se-á a discriminação e o desrespeito que não encontram fundamento justo, nem técnico-científico; será apenas uma manifestação de arbítrio.