Há algumas semanas atrás, o senhor Mélenchon, guru da extrema-esquerda, fazendo frente aos agentes da justiça francesa que procuravam realizar buscas na sua casa de Marselha, declarou colericamente, mas com a pompa gaulesa que as circunstâncias exigiam, «La République c’est moi!». Esta bestunta presunção, dos que se julgam acima da Lei, membros privilegiados duma nova aristocracia iluminada e predestinada, é aliás um traço comum entre as correntes jacobinas que ao longo do tempo se julgam donas e senhoras dos regimes, ou melhor, dos sistemas políticos. Para Afonso Costa e José Relvas, durante os primórdios da nossa I República, «o país era de todos mas o Estado é dos republicanos», parafraseando a formulação política de João Chagas: «A Nação é de todos mas o Estado é nosso». Como a originalidade de pensamento era escassa, copiavam avidamente o que de França lhe chegava e devem ter-se inspirado no seu herói Georges Clémenceau: «Le peuple est le roi. Il règne. Mais il ne gouverne pas». Raul Brandão, mais realista e sarcástico, comentava que o que eles na realidade queriam dizer era que «Isto agora é nosso! Nós também queremos comer! E não cabemos todos!».

Sempre que a aplicação prática das regras democráticas produz resultados contrários às pretensões do seu instalado Cabido da Sé do Poder, aqui d’el rei! que cai o Carmo e a Trindade!. Dogmaticamente, a única explicação que encontram é que o jogo teve de ser viciado, contranatura, manipulado por sombrias forças ocultas desejosas de repor o Ancien Régime, a Inquisição, a influência dos Jesuítas e quejandas manifestações de retrógrado reaccionarismo. Por exemplo, assim aconteceu em Espanha, nas eleições de Novembro de 1933, quando o PSOE perdeu a votação para a direita: não se resignou a largar o osso do poder e de imediato intentou a via revolucionária para reconquistar pelas armas o que perdera nas urnas. Falhou mas a agitação que o acontecimento introduzira em Espanha havia de levar à eclosão da Guerra Civil.

Vem isto a propósito do valente choque que as chamadas elites «influentes», tropa de choque dos senhores donos disto tudo levaram com a eleição do novo presidente do Brasil. Como foi possível? Depois de tantos livros passeados pela trela no Jardim da Estrela, de tantas noites de insónia e esconjura da Cleópatra de Vila Franca de Xira, de tanta fala de académico decorado com fáleras tituladas a lembrar um velho general da Coreia do Norte ajoujado com o peso de tanta condecoração, não é que o povo «estúpido», «nojento» e «inculto» vai votar no «fascismo»?! Tantas telenovelas a explicar a «normalidade» normal, a passar a mensagem das novas auroras dos amanhãs que cantam e dos novos prometeus demiúrgicos, do Obama, de Hillary, do Guterres e de tantos outros. Tanta caridade de engenharia social para quê?

Tornado irrelevante pela dura realidade do real, o circo mediático, com os seus palhaços amestrados e saltimbancos contorcionistas, ainda não percebeu o que lhe caiu em cima. Os seus «artistas», em crise de histerismo, ainda continuam arrogantemente a pensar que são eles, os iluminados, a conduzir no sentido correcto; os 58 milhões de brasileiros estão em contramão. Eles, a «elite», os «verdadeiros porta-vozes dos pobres, dos oprimidos, dos descontentes», não merecem tal desconsideração. Eles, os elevadores das minorias, os defensores da «normalidade» LGBT & etc, os carrascos dos fachos. «Se calhar é a democracia; se calhar foi-se demasiado longe ao conceder o voto a toda a gente; se calhar só devia votar quem obtivesse o certificado de bom comportamento cívico anti-fascista. Sei lá?! Isto assim não pode continuar! Ele é o Putin, o Trump, o Orbán, o Salvini e agora o Bolsonaro. Isto tem de parar. Nós é que somos os intérpretes da autêntica consciência da Humanidade, nós é que sabemos o que é melhor para o povo…»

Ridículos. Se não fosse trágico, sobre o ruído do coro dos walking-dead, tanto ódio, tamanha intolerância e arrogância até era cómica.

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