A discussão sobre o posicionamento “à direita” da Iniciativa Liberal e tão antiga quanto a sua história.

Artigos como “De Direita e Liberal, sem a vossa licença” (Mário Amorim Lopes, 2018) ou “Liberal e de Direita” (Diogo Prates, 2019), mostravam uma afirmação inequívoca de alguns dos principais rostos do partido num posicionamento à direita.

Já o discurso de Carlos Guimarães Pinto no lançamento do Movimento 5.7 (2019) parecia apontar em sentido diferente. A diferença aqui não seria tanto ideológica, mas de uma discórdia em relação à estratégia política e às prioridades da direita portuguesa. É verdade que a direita escolheu muitas vezes as batalhas erradas, tomou posições pouco liberais e tornou-se uma “red flag”, principalmente para os mais jovens.

A discussão veio a lume após as duas eleições em que a Iniciativa Liberal conseguiu eleger representantes para a Assembleia da República e quis sempre sentar-se ao centro. Sempre sem sucesso.

E marcou também a campanha para o Conselho Nacional do partido na última convenção, com a Lista B a afirmar inequivocamente uma vontade em posicionar a Iniciativa Liberal no campo da direita liberal.

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Apesar de motivar tantas afirmações de posição e de diversos pontos de vista, esta não parecia ser uma questão essencial.

Os diversos pontos de vista estão lá desde o início e nunca impediram que o caminho fosse percorrido e que a Iniciativa Liberal se afirmasse ideologicamente. Aliás, nunca o fez tanto como em 2018/2019, altura a que remontam os textos que acima refiro.

Isto acontece sobretudo porque a real divergência era mais de estratégia de comunicação do que ideológica.

O “não ser de direita” de Carlos Guimarães Pinto nunca foi confundido com equidistância entre direita e esquerda, com centrismo ou com mornismo.

Mesmo João Cotrim de Figueiredo viria a afirmar que a Iniciativa Liberal não se considerava um partido de direita, mas “é verdade que nos sentimos mais à vontade com as conceções não-coletivistas da direita do que com a esquerda” (Polígrafo, 2021).

Sendo direto, considero-me Liberal e de Direita.

Isto tem a ver com as minhas convicções, mas também com a minha perceção do que é ser de Direita.

É possível que haja quem, com convicções semelhantes às minhas não se identifique como de direita, porque tem uma visão diferente sobre o que é ser de direita.

Haverá quem coloque mais o foco nas questões económicas. É o meu caso. E parece-me que aí é inequívoco que a Iniciativa Liberal se situa à direita.

Haverá quem coloque um maior foco no eixo conservador-progressista e aí poderá haver uma maior tendência para afastar o liberalismo da direita. Ainda assim, seria um equívoco posicioná-lo à esquerda, isto é, do lado do progressismo.

Ser de direita não implica concordar sempre com a direita, nem com todas as direitas.

Representa antes um conjunto de valores que são valorizados, podendo depois ser interpretados de formas diferentes.

Valores como a liberdade económica, o individualismo, a defesa da família, a descentralização do poder, o progresso assente na tradição, a igualdade perante a lei, são valores claramente de direita, que se opõem aos valores da esquerda.

Mesmo que num tema em concreto o sentido de voto de um liberal possa ser o mesmo da esquerda, os valores colocados na equação serão certamente diferentes.

Peguemos num dos exemplos apontados por Carlos Guimarães Pinto: o do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Um liberal será a favor porque valoriza o direito a uma família e a liberdade individual. A esquerda usou como cavalo de batalha na divisão da sociedade em minorias, essencial à implementação da agenda marxista e de luta de classes.

A direita tradicional em Portugal opôs-se com base em valores como a defesa da família e a tradição. Valores que são caros a um Liberal, mas dos quais fez uma leitura bastante diferente.

A vida não é a preto e branco e é óbvio que classificar partidos em direita e esquerda é redutor. Dizer que não se é de esquerda ou de direita porque o pensamento não se resume neste dois conceitos é, sobretudo, de uma grande arrogância intelectual.

É sempre redutor classificar ideias políticas complexas em eixos unidimensionais.

É assim para o liberalismo, para o conservadorismo, a social-democracia, etc.

Mas funciona em termos comunicacionais e são os termos que as pessoas estão habituadas a ouvir. Funciona, mais não seja, para as pessoas saberem com que entendimentos podem contar na construção de soluções de governabilidade.

De resto, em qualquer referencial, está-se à direita ou à esquerda em relação a alguma coisa. Quando Carlos Guimarães Pinto ou João Cotrim Figueiredo dizem que estão mais longe da esquerda, dizem que estão do lado direito do referencial. E não devia haver dúvidas quanto a isso.

Finalizo com aquilo que motiva este texto neste momento: a afirmação de Rui Rocha de que “nas liberdades políticas e sociais estamos mais próximos da esquerda”.

Não acredito, sinceramente, que Rui Rocha acredite naquilo que disse. Mas resulta de uma insistência em afastar a IL do seu posicionamento natural, à direita, e tentar captar votos progressistas e de esquerda. Se a estratégia é um grande equívoco, a formulação desta ideia é ainda pior.

Quais são as liberdades políticas que a esquerda defende? Quais os países com uma grande marca da esquerda na implementação de democracias liberais? Quem em Portugal tem representado a maior ameaça à separação de poderes, ao escrutínio e à liberdade de expressão? Esta afirmação encaixaria perfeitamente num partido de esquerda, daqueles para quem tudo o que está à direita do PS é fascista, o 25 de abril tem donos e o 25 de novembro é uma afronta. Não encaixa num partido que revolucionou a política portuguesa ao celebrar o 25 de abril e o 25 de novembro.

Que liberdades sociais defende a esquerda? As liberdades de livre organização da comunidade para resolver os seus problemas sem o Estado?

Ou serão as liberdades “dos costumes”? Quando participou na marcha LGBT em 2019, a Iniciativa Liberal ostentava um cartaz com os rostos de Hitler e Che Guevara e a frase “Separados à Nascença, Unidos na Homofobia”. Quando foi que se passou a reconhecer créditos à esquerda neste campo?

A Iniciativa Liberal até pode eventualmente não se afirmar de direita, por motivos comunicacionais ou de interpretação daquilo que é ser de direita, mas há caminhos que certamente não poderá tomar: aproximar-se da esquerda, no que quer que seja; passar por centrista, sem um posicionamento claro e determinado; recusar valores de direita, como a liberdade económica, o individualismo, o progresso assente na tradição, a família e o Estado de Direito.