Os episódios mais recentes da vida do Sport Lisboa e Benfica (SLB) devem ser vistos à luz de uma alcunha e de um apelido. As figuras do presidente e do treinador no centro do relvado. Por uma questão de hierarquia comecemos pelo presidente.

À primeira vista, a alcunha de infância – o Ventoinha – parecia premonitória de agitação permanente. Como decorre do senso comum, a ventoinha é uma espécie de catavento. Não para de rodar. Só que, como Adriano Moreira ensina em relação à política, o eixo acompanha o movimento da roda, mas não gira.

Ora, a ventoinha também dispõe de um mecanismo semelhante. É possível mantê-la na posição escolhida. Continua a fazer vento, mas sempre na mesma direção. Foi o que aconteceu depois de, inicialmente, o ventoinha ter soprado para todos os lados. A única estratégia passível de secar o pântano de descrédito em que o SLB estava enterrado.

Passemos agora para o treinador. O apelido era apelativo. Vitória não é apenas o nome da águia que sabe poisar no emblema em dia de jogo. Lembra um passado de conquistas. Uma cultura de vencer que paralisava os adversários quando entravam no Estádio do Glorioso.

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Verdade que o treinador ainda não tinha justificado plenamente o apelido quando o presidente o chamou. Houve quem olhasse com desconfiança o movimento do ventoinha. Seria que o parafuso se tinha avariado? A instabilidade surgiu como ameaça.

Porém, o presidente foi lesto na explicação. Estava em causa um novo paradigma. Rui Vitória era o homem certo para rentabilizar a mina de diamantes do Seixal. Jesus só sabia fazer milagres à custa de milhões. Bem vistas as coisas não eram milagres. Os títulos ficavam pela hora da morte.

Os primeiros meses de convívio da alcunha e do apelido não foram fáceis. Por isso, não faltaram mãos interessadas em desenroscar o parafuso da ventoinha. Debalde. Estava teimosamente preso à nova posição. O tempo e as vitórias, mais do que as exibições, fizeram o resto. Jesus passou a fazer parte do passado e não pelos melhores motivos. Os sócios não perdoavam a afronta da mudança para o outro lado da segunda circular.

Entretanto, o peso do Seixal ia crescendo na equipa principal e rendendo aos cofres, ao mesmo tempo que a seleção principal voltava a contar com jogadores benfiquistas. Não constituíam a base como o presidente prometera, mas enfim, sempre era melhor do que no passado recente quando as convocatórias não incluíam qualquer elemento do clube da Luz.

Porém, para desassossego do apelido, a alcunha insistia numa rentabilidade constante. A exigência passou a ser desmedida. A discrepância era inevitável. Prometer títulos, ainda por cima europeus, não era compatível com a venda dos melhores ativos. Daí o fracasso do penta. Por isso a campanha desastrosa na Liga dos Campeões.

Como era de esperar, os sócios despejaram o descontentamento sobre o treinador. Esqueceram-se que não cumpria o apelido porque tinha aceitado ser um funcionário exemplar. Nunca tinha questionado. Tinha gerido, embora com erros táticos, o plantel que lhe tinha sido colocado à disposição. O honesto pai de família aceitava ser o general prussiano de Vieira, embora fazendo questão de trocar o ar rude pela bonomia.

Face ao historial, é provável que não tenha sido a goleada de Munique e os lenços brancos semanais a ditar o afastamento e a posterior readmissão de Rui Vitória. O ventoinha parece estar com saudades da posição anterior. Um regresso dificilmente compatível com a aposta na formação. O passado como exemplo.

Vieira justificou a reversão da decisão com uma luz. Talvez um sinónimo de consciência. A racionalidade a mandar calar a emotividade. Uma exceção no mundo do futebol.

O presidente aceitou a fama de ver mais à frente. O problema é que, na conjuntura presente, vê vários adversários à frente. Uma situação que não colhe junto dos simpatizantes do clube da águia. Esses querem vitórias. Conquistadas por Vitória ou qualquer outro treinador. Não querem ouvir falar da situação do clube quando Vieira lá chegou. Querem a bola dentro da baliza dos adversários. De preferência muitas vezes. Sem isso, será esta pressão que vai ditar as mudanças no Sport Seixal e Ruifica.

A relação entre o apelido e a alcunha está refém do desempenho dos artistas. Uns mais do que outros. Penso eu de que.