As novas gerações ainda vão salvar o mundo. Ou não. Mas honestamente acredito que existe uma grande probabilidade do mundo só não acabar por causa dessas novas gerações que chegam gerando incómodo e questionando os nossos hábitos encardidos e egoístas que matam o planeta um pouquinho por dia.

Todavia, juventude e arrogância são duas palavras que costumam andar de mãos dadas. E isso não é exclusividade dessa geração. Todos nós, no auge da ingenuidade/ignorância dos nossos 18 anos, já pensamos ser os soberanos, donos da verdade, cheios de certezas que, com o tempo, vão caindo pelo caminho.

As novas gerações são vegetarianas. Veganas. Anti-plástico. Anti fast-fashion. São defensoras dos animais. Não toleram conservantes. Corantes. Touradas. Estão dispostas a reduzir o consumo (de tudo). A reutilizar e a reciclar. Se negam a comer agrotóxicos. Se negam a consumir transgênicos. E, acima de tudo, se negam a tolerar tais comportamentos à sua volta.

Sim, pelo jeito eles vão salvar o mundo. Ainda bem. Se não fossem seus berros de revolta, talvez eu não tivesse mudado nem metade dos comportamentos que mudei. E por isso sou grata – e acho que todos nós que já temos mais de 30 devemos sê-lo. Entretanto, como toda boa juventude, eles são ótimos para falar e péssimos para ouvir. Sabe como é. Conversa de gente mais velha é sempre uma perda de tempo (até o dia em que a gente se dá conta que todo jovem que aprende muito, acaba por se tornar um velho).

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E então a cena se repete: muito preocupados com as suas nobres causas, tiram o iPhone do bolso no meio do almoço de domingo e, em uma fração de segundo, já não estão mais ali. Teletransportados daquele “inútil” ambiente familiar para seus ricos núcleos (ou bolhas) de debates, terminam por ser um corpo presente naquela mesa e uma ausência gritante naquele raro momento de partilha.

Mas de repente eles voltam. Porque sentiram o cheiro da carne assada preparada pela avó. Poderia ser um bom momento de memória afetiva, mas, na verdade, voltam porque sentem a necessidade (quiçá o direito) de começar um longo sermão acerca do absurdo que é aquele consumo de carne vermelha em pleno século XXI. Carne essa comprada numa rede de supermercados que não se preocupa com a maneira de produção, com o uso de hormonas e com a forma de abate. E sim, eles tem razão. Negam-se a comer a carne, permanecendo na salada, não sem antes perguntar se são de agricultura biológica.

Na sequência, criticam as garrafas de plástico com bebidas açucaradas que a avó disponibilizou em cima da mesa, bem como se queixam na hora do café, por tratar-se de grande marca multinacional e não de uma produção local de cultivo sustentável. Pouco depois de suas pertinentes e doloridas críticas, voltam para seus iPhones sem nenhuma dúvida sobre seu direito de apontar tantos erros e sem nenhum indício das mágoas que causam em quem ouve tal discurso.

Não sei, mas me parece que, de fato, na vida tudo é uma questão de equilíbrio. E que acima disso também há algo chamado bom senso. De tão preocupados que estão com os temas urgentes da esfera pública, se esquecem de que a vida se faz na nossa esfera privada. E que por mais importante que sejam suas causas e bandeiras, há quem não tenha a mesma disposição ou clareza para abraçá-las. Mas são essas mesmas pessoas que seguem ali, presentes e fiéis, com um abraço certo e cotiano à disposição. Mesmo que esse abraço venha em forma de carne assada, de embalagem plástica ou de sobremesa cheia de corantes artificiais.