Ao abrigo da Lei de Bases da Saúde, cabe ao Estado a principal responsabilidade no que respeita à sua promoção e à criação de condições para a universalidade, gratuidade e equidade no seu acesso. Por inúmeras razões e desde a sua criação, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) não incorporou a Medicina Dentária nos seus cuidados. A saúde oral está portanto, praticamente excluída do direito à saúde dos portugueses. Este problema resultou de vários erros de estratégia na política de saúde que se foram multiplicando nestas últimas décadas. Contudo, a ideia de integrar a saúde oral na saúde geral já deixou de ser uma filosofia exclusiva dos profissionais de saúde oral, para ser um conceito amplamente comprovado pela evidência científica.

Efectivamente, são cada vez mais as relações encontradas entre doenças da cavidade oral e de outras doenças sistémicas. Aliás, outra coisa não seria de esperar, já que a cabeça e, particularmente, a cavidade oral não se encontram separadas do restante organismo.

Assim, partindo deste sofisma cada vez mais evidente, torna-se necessário encarar a problemática gerada pela existência de doenças orais altamente prevalentes, como são a cárie dentária e as doenças periodontais, e as suas repercussões na saúde geral do indivíduo.

As doenças orais podem ter um impacto significativo na qualidade de vida das pessoas quando ficam comprometidas funções tão básicas como a mastigação, fala e sorriso. O estado da Saúde oral das pessoas produz efeitos significativos na sua qualidade de vida muitas vezes com repercussões físicas, psíquicas e sociais.

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Vários estudos revelaram por exemplo, que uma criança afectada pela cárie aos 3 anos de idade tem em média, menos 1kg do que uma criança livre de cárie.

Por outro lado, nos idosos, é muito comum surgirem taxas de edentulismo (falta de dentes) muito altas, atingindo muitas vezes os 100%. Este facto interfere directamente com a mastigação, tornando-a deficiente, ou levando a que esta população evite certos alimentos, levando por essa via a défices nutricionais significativos. Estes impactos nas actividades quotidianas não se circunscrevem ao indivíduo, acabam também por afectar a sua família e por essa via, a sociedade em geral. Outras vezes, as lesões malignas orais que acabam em tratamentos extremamente onerosos e de que resultam perda de vidas, poderiam ser evitadas se houvesse a possibilidade destas pessoas serem observadas periodicamente por Médicos Dentistas.

Os problemas psicológicos relacionados com a aparência da própria pessoa quando não possui alguns dentes, interferindo com a sua auto-estima e motivando a procura de apoio psiquiátrico e de medicação auxiliar, são outro factor a ter em conta.

De tudo que foi dito, podemos concluir que a saúde geral nunca poderá estar dissociada da saúde oral.

Claro que se ao custo do tratamento adicionarmos os custos inerentes ao absentismo (seja no trabalho ou na escola), subprodução (quer no trabalho ou na escola), desregulação de outras doenças, adiamento de cirurgias programadas (por infecções orais agudas), má recuperação pós operatória, problemas de socialização (alterações estéticas que afectam crianças e adultos), má nutrição pela dificuldade na mastigação, alterações de fonética, entre outros, podemos entender que realmente o custo de deixar a doença seguir o seu trajecto será muito maior.

Esta situação tem um preço considerável para o País. Só o absentismo ao trabalho, provocado por baixos índices de assistência ao nível da saúde oral, estima-se que represente, anualmente, uma perda de várias dezenas de milhões de euros.  Apesar de se ter assistido à recente evolução significativa na prestação de cuidados de Saúde Oral às populações, com custos baixos e controláveis, há que ter a consciência da necessidade de definir uma estratégia global nesta área, sem descurar a sustentabilidade do sistema, que contemple as várias vertentes da saúde, valorize a promoção da cidadania e a integração da Saúde Oral nas políticas públicas saudáveis.

Há muitos anos, e bem, que a Ordem dos Médicos Dentistas vem alertando e procurando sensibilizar os agentes políticos para esta realidade. No dia mundial da Saúde Oral do ano passado, o seu Bastonário, Orlando Monteiro da Silva anunciava que nos últimos quatro anos a procura de consultas e tratamentos dentários diminuiu 30%, acrescentando um preocupante lamento: “As pessoas fazem o mínimo. Resguardam-se para as situações de maior aperto, dor, grande desconforto”. Ninguém pode ficar indiferente a isto.

O panorama da medicina dentária no nosso país está intimamente relacionado com o desenvolvimento do sector privado, que emprega 98% dos especialistas em exclusividade, mas que não é acessível a cerca de 50% da população por razões económicas.

É reconhecido o esforço que tem vindo a ser desenvolvido, nos últimos anos, pelo Ministério da Saúde, de vários governos, no sentido de começar a resolver a grave lacuna existente a nível da educação, da promoção e da prestação de cuidados de Saúde Oral à população no âmbito do SNS. Apesar disso, a situação da saúde oral em Portugal ainda é preocupante. Portugal ocupa, em vários índices sobre saúde oral, os últimos lugares de todos os países da União Europeia.

O recente anúncio da intenção do novo ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, em integrar médicos dentistas nas Unidades de Saúde Familiar e Centros de Saúde, bem como o pedido do Ministério à Ordem dos Médicos Dentistas para elaborar um projecto-piloto para que essa integração seja uma realidade a curto prazo, serão, mais do que uma boa noticia, um marco fundamental para a melhoria da saúde dos Portugueses e cumprir um desígnio da nossa Constituição: a “universalidade, gratuidade e equidade no acesso aos serviços de saúde”.

Aí sim, não faltarão razões para sorrir.

Médico dentista