A 21 de março de 2018, o Observador publicou o meu artigo – No limiar duma (r)evolução? – onde referi as implicações na sociedade dos progressos tecnológicos verificados na medicina, biotecnologia, nanotecnologia, focalizando, com mais pormenores, as consequências da robótica e da inteligência artificial (IA) no trabalho.

Referenciei que se a substituição da mão-de-obra humana não era novidade desde os anos sessenta do século passado, qual era a razão para esta nova geração de máquinas colocarem um problema? E salientei que se tratava de máquinas capazes de dispensar a mão-de-obra humana especializada e forçar a passagem da produção colaborativa centralizada para a descentralizada. Assim, não estávamos perante outra forma de mecanização ou automatização e que era urgente entender que os robots que iriam eram autênticos sistemas físicos cibernéticos que não se confinariam à indústria. Logo, a substituição do trabalho humano aconteceria a uma escala impensável até agora.

O COVID-19, com as medidas de protecção de saúde pública, que implicaram a adopção de trabalho remoto pelas empresas portuguesas, veio, de certa forma, contribuir para acelerar uma mudança de paradigma. Cinco anos depois, em que ponto estamos?

Pode não parecer, mas o maior desafio que temos actualmente é a educação. Há duas coisas que devem ser alteradas já. Primeiro, a maneira como ensinamos e, segundo, o que ensinamos. Continuamos a formar jovens para profissões que vão desaparecer ou transformar-se em nichos de especialidade. A base científica do conhecimento continuará a ser utilizada, mas a metodologia actual é insuficiente. Os nossos filhos não serão capazes de competir com máquinas. Só isto indica que a sociedade (assim como as suas diferentes formas de estruturação) vai ser profundamente alterada.

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Não há profissão que não vá ser afectada pela IA. Até a medicina e a própria programação o serão. Emad Mostaque, da Stable Diffusion (inteligência artificial de código aberto projectada para gerar imagens a partir de texto), diz que até os programadores serão um nicho de especialidade. Emad Mostaque acrescentou que hoje, 41% de todo o código no github já é gerado por IA e que o ChatGTP, para além de conseguir passar no exame de programador de nível 3 do Google, também o que já programa facilmente será aplicado nos computadores ou telemóveis. Os computadores conseguem conversar melhor entre si do que os humanos conseguem com computadores. É importante não negligenciar estes avisos.

Por falar em ChatGTP (algoritmo baseado em inteligência artificial desenvolvido num laboratório de pesquisas norte-americano – OpenAI – capaz de responder em texto escrito às mais variadas perguntas ou pedidos), qual foi o efeito que teve na escrita? Há quanto tempo foi lançado? Bem, acho que a leitura deste artigo – Algorithms and journalism: the dawn of a new age, or the beginning of the end? – poderá ser interessante.

A aposta na igualdade de resultados, em detrimento da igualdade de oportunidades, só promoveu a diminuição do potencial humano e a impreparação dos jovens para a vida. Não é possível continuar a apostar no decréscimo da exigência, com receio de ferir a susceptibilidade e a auto-estima dos jovens, deixando-os progredir sem o conhecimento adequado até à universidade. Para ultrapassar os problemas é essencial reconhecer a sua existência. Só assim será possível definitivamente transformar fragilidades em forças.

Considerando o que acabei de descrever, o ensino devia ser reformulado já. Não é daqui a uns anos. Essa reforma no ensino deve basear-se no que está na base da comunicação: o sistema alfa-numérico. Como tal, há três coisas que são essenciais para aprender: ler e escrever (português), contar (matemática) e pensar. Especialmente pensar criticamente (filosofia). Ler e escrever, fazer contas e pensar devem ser os vectores permanentes do  ensino, desde o primeiro ano até à universidade (pelo menos). A metodologia do ensino deve alterar-se. A aplicação do modelo utilizado na Escola 42, do Pedro Santa Clara, – que incentiva a cooperação e colaboração entre alunos, simultaneamente responsabilizando-os e dando-lhes a possibilidade de progredir consoante o seu esforço e vontade – devia ser seriamente considerado. Relativamente à utilização da IA no ensino, estas quatro ideias – 1) Aprendizagem personalizada; 2️) Tutoria Inteligente; 3) Tarefas administrativas aprimoradas; 4) Informações baseadas em dados – apresentadas por Charlotte Joy Trudgill, também são de considerar. Todavia, a principal mudança consiste na alteração de como encaramos as crianças e os alunos.

Durante a pandemia, numa reunião da UMinho para reflectir sobre as dificuldades do ensino online e como o tornar mais atractivo, eu disse que não podíamos continuar a ver os alunos de um modo passivo e que até mesmo metodologia de avaliação devia ser diferente. Sim, é necessário aferir o conhecimento adquirido pelos alunos. Mas também é preciso ensinar-lhes destreza de pensamento para encontrarem a solução. Não há nenhuma empresa que contrate um jovem e que lhe diga: resolva este problema, sem consultar nada, nem ninguém.

O professor vai tornar-se num mentor. A sala de aula deve ser um local onde o conhecimento é transmitido incentivando os alunos a explorar de modo a potenciar as suas capacidades e gostos. A cooperação em equipa não impede o desenvolvimento individual. E a empatia criada em grupo pode potenciar esse mesmo desenvolvimento.

A improbabilidade tem a propensão para se transformar numa possibilidade que mais cedo ou mais tarde é uma inevitabilidade. A IA vai transformar o mundo e tudo aquilo que temos por garantido. Quanto mais tarde reagirmos, mais sofreremos as consequências.

“Homens fortes criam tempos fáceis e tempos fáceis geram homens fracos, mas homens fracos criam tempos difíceis e tempos difíceis geram homens fortes”. Que tempo queremos ter?