Faça-se em primeiro lugar, um pequeno resumo das etapas marcantes relacionadas com a construção de um novo aeroporto após o 25 de Abril.

1974 – Abandono da construção do aeroporto prestes a arrancar na planície de Rio Frio, uma vez considerado uma herança Marcelista.

Anos 1995 – Durante o governo de António Guterres, começa a ventilar-se uma solução para a Ota, aproveitando a base aérea ali existente, embora essa base se encontrasse desativada pela Força Aérea, pelas deficientes condições de operacionalidade, decorrentes da proximidade do Monte Redondo e do Montejunto.

2005 – Confirmação da localização na Ota pelo governo de José Sócrates, com o muito empenhado ministro das obras públicas e transportes Mário Lino que chegou a recusar liminarmente a possibilidade de ser construído na margem sul (jamais).

2008 – Grande contestação da sociedade civil, particularmente através da intervenção de técnicos e engenheiros especialistas do LNEC, do IST e de outras universidades, em grandes debates ocorridos na Sociedade de Geografia.

Foi então, com base num estudo encomendado ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil, que, no final do seu primeiro mandato, que terminou em 2009, José Sócrates, reconhecendo os argumentos técnicos demonstrados, anunciou a zona do campo de tiro de Alcochete como a escolha definitiva para o novo aeroporto.

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2013 – Com a troika instalada em Portugal, e face às limitações financeiras e restrições impostas, o governo de Passos Coelho, pressionado pela Ana/Vinci e pela confederação de turismo de Portugal, cede a uma solução Portela + Montijo (indevidamente estudada). Mas mesmo com a situação económica do país a dar, já no final do seu mandato, sinais de melhoria, a implementação no Montijo não avançou.

2015 – Manutenção da solução Montijo pelo governo de António Costa, com o ministro Pedro Marques muito empenhado e com muita pressa, mas que se recusava a promover a necessária e obrigatória avaliação ambiental estratégica (AAE) que pudesse comparar, nas diferentes vertentes, esta solução com as outras alternativas.

De permeio, uma lei que havia sido criada no tempo do governo de José Sócrates cria grande obstáculo ao seu avanço, pois dois Municípios (Moita e Seixal) opõem-se à sua concretização.

2019 – Na tentativa de ultrapassar esta dificuldade, o novo ministro das infraestruturas Pedro Nuno Santos sugere que se mude a lei. O presidente do PSD, Rui Rio, está de acordo que a lei poderia ser alterada mas não quer dar o seu aval, entendendo que não se devia legislar a quente para ultrapassar um problema em curso.

Contudo, face à ilegalidade da escolha do Montijo sem a Avaliação Ambiental estratégica, António Costa acordou com Rui Rio a sua realização.

Resumindo, pode-se dizer que durante estes quase 50 anos as decisões foram tomadas essencialmente pelo poder político, sem estudos prévios e desenvolvimentos aprofundados e as contra decisões, forçadas por estudos desenvolvidos por engenheiros e técnicos especialistas, alicerçados nas suas academias.

2022 – Decorrido todo este tempo e para contrariar estes ciclos de indecisões que se arrastavam há 48 anos, o governo de António Costa e o novo líder da oposição Luís Montenegro procuraram um entendimento, tendo acordado encetar uma nova metodologia que passava pela constituição de uma Comissão Técnica Independente (CTI) que faria a avaliação das diferentes opções e realizaria as necessárias avaliações ambientais estratégicas. Mais acordaram que, apresentadas as suas conclusões, a decisão política as tomaria em consideração.

Foi assim constituído um núcleo de especialistas que dimanava, não da escolha do governo, mas do Conselho Superior de Obras Públicas, da Comissão Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável e do Conselho de Reitores da Universidades Portuguesas.

Este núcleo, acabou por agregar conceituados engenheiros e catedráticos do IST, das Universidades de Lisboa, Porto, Aveiro, do Minho e da Católica.

2023 – Conclusão do estudo da CTI, que aponta para a localização em Alcochete, complementada durante a sua fase de construção pelo Aeroporto Humberto Delgado.

O processo só estará fechado após a fase de consulta pública, que decorre até Janeiro de 2024, recolhendo as opiniões de particulares, empresas, companhias aéreas e da própria concessionária ANA/Vinci que é parte importante no processo.

O novo aeroporto desenvolver-se-á numa muito ampla zona aplanada, sem hidrografia marcante, com grande capacidade de expansão e praticamente sem necessidade de expropriações, por os terrenos já serem do Estado.

Segundo os documentos apresentados, será construído por módulos faseados, de acordo com a procura, e contempla, na primeira fase, uma pista e todas as instalações necessárias à sua operação e, numa segunda fase, outra pista paralela devidamente afastada para permitir operações simultâneas nas duas, em condições de voo sem visibilidade, ou seja em condições IFR (Instrument Flight Rules).

Estas condições de afastamento necessário entre as pistas paralelas, que aumentam sobremaneira a capacidade aeroportuária, tornavam-se muito difíceis, ou mesmo impossíveis, por exiguidade de espaço, quer na Ota quer no Montijo.

Recorde-se que o Aeroporto de Madrid/Barajas, também em ampla zona plana, há décadas que comporta quatro pistas paralelas devidamente afastadas, mantendo ainda capacidade de expansão para outras instalações.

Terminada a análise e tornadas públicas as suas conclusões, transparece a profundidade do trabalho que se focou nos fatores críticos da segurança, acessibilidades, saúde humana e ambiental, conetividade e desenvolvimento económico, investimento público e modelos de financiamento.

A solução Alcochete, melhor posicionada, coincide em parte com a que o então ministro Pedro Nuno Santos havia preconizado, mas só em parte, porque a associava ao Montijo.

O próprio primeiro ministro, a quem, juntamente com o líder da oposição, é devida esta nova metodologia, e que havia defendido o Montijo, elogiou fortemente o trabalho desenvolvido pela CTI e destacou a sua total independência.

Mas logo no mesmo dia surgem nos diferentes canais televisivos, as declarações do presidente do conselho de administração da ANA/grupo Vinci, José Luís Arnaut que põe em causa a idoneidade e independência da Comissão e no seu encalce, como usual, também as declarações de Francisco Calheiros, presidente da Confederação do Turismo, acérrimo defensor do Montijo, descredibilizando o trabalho desenvolvido.

É legítimo pensar que esta nova forma de encarar a tomada de decisões sobre as grandes obras de investimento a nível nacional, com repercussão não só nas gerações atuais mas particularmente nas futuras, se fizer doutrina, venha a constituir uma profunda reforma estrutural.

Aqui chegados, a partir de Março de 2024 e com um novo governo dois caminhos ainda podem ser seguidos:

  • Ou de um modo geral são aceites as conclusões do estudo CTI, com decisão política que pode ser um pouco diferente e muito bem justificada e então valeu a pena todo o esforço e o tempo que ainda foi gasto;
  • Ou liminarmente contestadas, inviabilizando a reforma encetada, e voltamos tristemente ao ponto de partida de há 50 anos.