Uma forma de olharmos para o estado da nação no final desta legislatura, é adoptar a perspetiva de Jeremy Bentham de que o objectivo da lei, do governo e da administração é contribuir para “a maior felicidade do maior número”. Colocar a ênfase na felicidade, ou no termo que prefiro de bem-estar, e centrar nas pessoas, e não numa entidade abstracta (nação) permite que olhemos para as políticas públicas numa óptica diferente. Como podem elas afectar esse bem-estar individual do maior número? Sendo a percepção de bem-estar subjetiva ela resulta, inevitavelmente, não apenas das condições materiais objetivas de existência (qualidade e estabilidade da habitação e do emprego, condições salariais e de mobilidade do dia a dia, qualidade ambiental), mas das aspirações, inquietações, expectativas que resultam de comparações com o outro. O Outro, na família, no grupo profissional a que se pertence ou noutros estratos sociais.
Uma possibilidade de tentar avaliar o estado psicológico da nação seria olhar para a evolução do consumo de anti-depressivos, de ansiolíticos e hipnóticos pelos portugueses que é muito elevado em termos europeus. Esta semana tivemos o dia da doença mental. Os dados indicam que se mantem a tendência de longo prazo, desde o início do século, para o aumento dos anti-depressivos e alguma estabilização dos ansiolíticos. Este não é, contudo, um bom indicador sobre o estado psicológico da nação. Aparentemente há algumas falhas na implementação de um bom plano de saúde mental, há escassez de psicólogos no SNS, há porventura facilidade a mais na disponibilização destes fármacos, mesmo sem receita médica, e há prescrição a mais. Outra forma diferente de medir é através da auto-avaliação dos portugueses sobre a satisfação com a vida e as perspetivas que têm em relação ao futuro ano. É significativo o que os dados do Eurobarómetro nos mostram. No final de 2011 metade dos portugueses acreditavam que a sua situação pessoal iria piorar no ano seguinte, em 2015 apenas 30% tinham essa convicção e em finais de 2018 essa proporção reduziu-se drasticamente para 7%. Hoje a larga maioria dos portugueses inquiridos (60%) pensa que ficará na mesma, sendo que aproximadamente um em cada quatro (26%) pensa que ficará melhor este ano. Parece inequívoco, quer com estes indicadores quer com os de confiança de consumidores e de empresários que o Estado psicológico da nação é substancialmente melhor do que era no início da legislatura. A isso não será alheio a estabilidade política que se conseguiu garantir, apesar de uma inovadora fórmula de governo, e a redução drástica da taxa de desemprego, bem como maior segurança no emprego. A estabilidade política e social é um valor. A primeira consegue-se com plataformas políticas pré-eleitorais claras e acordos pós-eleitorais transparentes e credíveis.
Os fundamentos económicos e materiais que subjazem à percepção da qualidade de vida das pessoas são por isso essenciais, mas a gestão, individual e coletiva, das expectativas futuras também o é. O pior que poderia acontecer a Portugal era os portugueses convencerem-se que os problemas que o país defrontou, alguns dos quais persistem (elevados rácios de dívida pública e externa, crescimento acima da média da EU, mas baixo, problemas remanescentes nalguns serviços públicos e no sistema bancário, etc) se resolvem rapidamente. Houve uma clara melhoria a vários níveis, mas há um caminho a percorrer. E a dificuldade reside precisamente aqui. Depois dos anos duros da troika, tivemos uma legislatura estável para sarar o stress pós traumático e fazer uma transição para a normalidade a que ainda não chegámos. Estamos melhor, no emprego, no orçamento, na dívida, nos direitos, mas estamos cansados.
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