Portugal, que historicamente se caracterizou pela diáspora, com a saída da população portuguesa do país à procura de melhores condições de vida, é agora um local de chegada e acolhimento de pessoas de variados e distintos perfis culturais.

Nos últimos anos o país tornou-se, inequivocamente, num íman no âmbito das migrações. Fruto da pressão migratória internacional, bem como da necessidade imperiosa de alavancar a economia interna, temos assistido a uma mudança muito significativa dos fluxos migratórios até então existentes, verificando-se um aumento da entrada e fixação de migrantes em Portugal, nunca anteriormente detectado em igual proporção.

Estas mudanças, que se verificaram num curto espaço de tempo, contribuíram para um esforço acrescido no âmbito do desenvolvimento e melhoria das políticas de integração dos migrantes e consequente tentativa de aprimoramento de práticas de adequada convivência social, acompanhadas por uma evolução legislativa no combate à discriminação, directa e indirectamente associada. As políticas públicas tentaram assim acompanhar o fenómeno migratório e dar-lhe o devido respaldo. Verificou-se um constante esforço e necessidade de adaptação à mudança e à demanda migratória.

No entanto, as características históricas, sociais e psicológicas inerentes a Portugal e às suas gentes influenciaram a adequada acomodação desta nova configuração na sociedade portuguesa.

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A ainda jovem democracia portuguesa, bem como a recente liberdade que daí adveio, aliada a um intrincado passado de país colonizador, que possivelmente não soube sarar as feridas da descolonização e do traumático retorno, toldaram a permeabilidade que deveria estar aliada a esta nova realidade e, por sua vez, pode estar a colocar em causa, na actualidade, os ditos brandos costumes que aparentemente pareciam ser apanágio e característica indelével do povo português.

Face a tudo isto, confrontamo-nos com a necessidade premente de se debater a migração em Portugal.

Há necessidade de se debater o preconceito, numa tentativa de o debelar, bem como necessidade em debater a existência de conflitos sociais e étnicos associados. Urge esvaziar a palavra “migração” de todo o peso negativo que esta encerra semanticamente porque, se o processo migratório for bem sucedido, é mais que certo que será gerador de recursos que poderão ser utilizados em prol do pais de acolhimento dos migrantes e em benefício da qualidade de vida das pessoas que nele habitam.

É fulcral que se difundam e divulguem informações acerca das mais valias relacionadas com a vinda de migrantes para Portugal. É essencial que se desconstruam narrativas erróneas acerca da sua presença e permanência no país. É urgente afastar mitos, erradicar estereótipos, neutralizar as fake news sobre a migração.

O país necessita da diversidade cultural trazida pela migração, quer seja nas artes, na literatura, na gastronomia ou em muitas outras áreas. O país necessita de aproveitar a mão de obra migrante para suprir falhas e constrangimentos existentes em diversos sectores. O país necessita da migração para clarear os números obscuros da demografia portuguesa que é hoje, assumida e preocupantemente, geriátrica.

Muito está por cumprir e muito necessita de ser feito e concretizado no que à discriminação e preconceito se referem e que constituem um entrave para a plena integração dos migrantes na população portuguesa.

Mudanças requerem-se, não só no que respeita à resolução de entraves burocráticos que geram impacto negativo na vida dos migrantes e lhes coartam direitos, como no acesso à habitação e a condições de vida e trabalho dignas que devem ser inerentes à sua condição humana.

O que um surto de Covid 19 pôs a descoberto em Odemira em 2021, relativamente a uma alargada população migrante a viver e laborar em condições deploráveis; o caso dos militares da GNR acusados de crimes de sequestro, abuso de poder, ofensas à integridade física de migrantes, também ocorrido em Odemira; o recente incêndio no Bairro da Mouraria, com vítimas mortais, que chamou a atenção para a realidade inerente à sobrelotação habitacional por migrantes na cidade de Lisboa e o mais recente caso de extrema violência que ocorreu em Olhão, contra um migrante, são mais do que suficientes para indignar qualquer cidadão português e europeu, são mais do que suficientes para causar desconforto e indignação a um qualquer ser humano.

Assim sendo, bem andou o quarto poder de Portugal quando, em representação de todos os portugueses, não deixou passar a oportunidade para colocar o ocorrido na agenda mediática nacional fazendo claramente a destrinça entre o que é certo e errado, entre o que não pode ser admissível num país soberano que se rege por uma Lei fundamental, que pertence à União Europeia e que se rege por princípios e ditames do direito internacional.

Veremos se a gravidade do que tem vindo a ocorrer e a atempada intervenção do Presidente da República permitirá suficiente tempo de fôlego para que ocorram as mudanças necessárias que permitam que Portugal possa continuar a ser visto como um respeitado país de chegada e acolhimento de migrantes.