Depois de dezenas de expedições falhadas, em 1909 Robert Peary alcança o Polo Norte. O clima áspero e desolado do Ártico não permitia nada mais que expedições heroicas a um dos locais mais hostis à vida no nosso planeta. Hoje prevê-se que a “grande muralha do norte” venha a desaparecer por volta de 2050 como consequência das alterações climáticas. Apesar de ser apenas uma previsão, é inegável que o Ártico que Robert Peary enfrentou em 1909 nada tem a ver com o Ártico cada vez mais dócil dos nossos tempos.

Durante os últimos 2 milhões de anos a riqueza do Ártico manteve-se escondida do alcance do Homem. Com o derreter das grandes planícies geladas, erupcionam aglomerados de ilhas de terra firme que permitem a sua expansão. Essa expansão — geralmente económica — serve de plataforma à descoberta e exploração dos grandes recursos que se encontram no fundo do oceano. Estima-se que mais de 50% do petróleo e gás natural intocado no nosso planeta se encontra nas profundezas do Ártico – para além de uma infinidade de outros depósitos minerais. Com as previsões a apontar o crescimento contínuo da necessidade energética, os recursos do Polo Norte assumem uma importância vital.

Para além dos recursos naturais intocados, o Ártico oferece algo mais: a possibilidade de diminuir o tempo e custo de viagem no transporte de mercadorias entre Europa e Ásia. O desaparecimento do gelo expõem o mar do norte e torna-o cada vez mais navegável. As rotas comerciais até hoje centralizadas no eixo Canal do Suez encontrarão brevemente uma nova alternativa.

A gestão do Ártico é conferida ao Conselho do Ártico composto pelos EUA, Rússia, Canadá, Dinamarca, Noruega, Islândia, Finlândia e Suécia – também conhecidos por “Artic Eight”. Todas estas nações começaram já a tirar proveito desta nova situação contudo uma delas destaca-se pela sua supremacia: a Rússia.

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A ligação cultural e histórica entre a Rússia e o Ártico é notória. Podemos também afirmar que a Rússia tem todo o interesse nos impactos que a exploração do Ártico vão causar na economia mundial, é a sua oportunidade de adquirir uma forte alavancagem comercial com outras potências mundiais. É por isso que hoje, no ponto de partida neste novo “Grande Jogo” de nações pelos territórios do Ártico, a Rússia começa em vantagem. O investimento industrial russo na região sobrepassa o investimento de todas as outras nações. A Rússia é dona da maior frota de quebra-gelos do mundo – incluindo quebra-gelos movidos por reactores nucleares. A sua presença e adaptação militar ao ártico é também incomparável. Contudo a Rússia não parece ter de momento qualquer interesse em usar o seu poderio militar como ferramenta de expansão, apenas como factor de determinação. Os “Artic Eight”, esperam que a pacificidade e o “excepcionalismo ártico” – cooperação contínua e despolarizada entre as várias nações – venha a permitir o exponencial desenvolvimento económico e humano da região. Dado que a Rússia detém 50% de toda a costa do Ártico, é certamente a que mais irá beneficiar.

Existem outros actores em jogo, nomeadamente a China, que apesar de não ter qualquer fronteira no Ártico, reconhece-lhe a futura importância nos mercados globais. Em 2013 conseguiu integrar o Conselho do Ártico como membro observador, justificando a sua entrada como sendo uma nação “perto do Ártico”. A China não quer desperdiçar qualquer oportunidade de se “mover” mais a norte. Por outro lado, os Estados Unidos da América têm tomado uma posição diplomaticamente mais agressiva, criticando diretamente a mobilização russa e questionando o funcionamento do Conselho do Ártico. A “proposta” de compra da Gronelândia pelo presidente Trump foi uma aposta no escuro que se tivesse sido bem sucedido teria garantido aos EUA um maior equilíbrio com a Rússia no acesso aos recursos da região. A estratégia americana não é ainda bem clara apesar da forte presença russa e chinesa na região ser uma enorme preocupação. As tendências de mudança nas rotas comerciais e centros económicos não favorecem de todo os americanos que apesar de terem acesso directo ao Ártico pelo Alasca não têm conseguido mitigar a supremacia russa.

À medida que as máquinas do Homem chegam cada vez mais perto do topo do planeta, a poluição e o desgaste ambiental acompanham. A crescente exploração do Ártico irá acelerar o processo de degelo e extinção das espécies locais. Parece contudo pouco provável que países como os EUA ou a Rússia venham a limitar o seu investimento por preocupações ambientais.

O futuro é incerto. O renascimento das relações geladas entre o Oeste e o Este podem extravasar as fronteiras convencionais e refletir-se no Ártico, onde a corrida pela sua terra e recursos ainda agora começou. Com o degelo em progresso, a questão sobre a soberania dos territórios árticos torna-se fulcral para as nações envolvidas podendo no futuro criar pontos de tensão com consequências mundiais. Não podemos por isso esquecer que no quadro geopolítico, as mudanças climáticas apresentam acima de tudo alterações de poder, de influência e de mercado. Há nações que tem tudo a perder mas há outras que até têm muito a ganhar.