Adensam-se os sinais de nova tempestade. Os ventos fortes, as nuvens negras, aproximam-se do nosso horizonte. O inverno financeiro vem aí e não sabemos se a nova muralha da União (desunião?) Bancária Europeia resistirá…
Mas afinal onde é que está a responsabilidade de tantos supervisores, auditores, consultores, contabilistas certificados, quando se trata de avaliar e garantir a qualidade das contas dos nossos bancos? Tantas auditorias, inspeções prudenciais e comportamentais, tantos testes de stresse, para nada. Apesar de todo o aparato legislativo e organizacional, a verdade é que nunca deixamos de assistir a surpresas, mistérios, prejuízos encobertos, reforços de provisões, reforços inesperados de capital, como se nada se soubesse do que passa nas suas contas. E tanto mais estranho que tal aconteça, quando vivemos num tempo e em sociedades onde se apela à transparência total e onde os meios tecnológicos e a qualidade da informação são cada vez mais sofisticados.
Mais, o sector bancário é, não só o mais regulado em toda a economia, como também aquele que foi objeto de mais intervenções, quer por parte dos governos e respetivas autoridades de supervisão, quer agora por parte da própria União Europeia, através da nova União Bancária. Acolhendo, neste último caso, mais uma proposta tipicamente alemã, assente no ordoliberalismo, ideologia económica forjada antes da segunda guerra mundial, mas com influência decisiva em quase todas as soluções encontradas nas últimas décadas para regular a economia europeia.
Estranha forma de vida, a da banca. Parece cada vez mais um sector do reino do além, um sector onde a magia e o oculto prevalecem sobre a informação, o rigor e a verdade. Um sector que, vivendo sobretudo da confiança dos seus clientes, cada vez mais contribui para a delapidação dessa confiança. É que o dinheiro em si mesmo não existe. O dinheiro é uma convenção, talvez a mais forte até hoje criada pela humanidade. O dinheiro foi criado como elemento facilitador de trocas, mas o seu valor mais profundo é e sempre foi a confiança. E os bancos foram, durante muito tempo, considerados como “o amigo de confiança”.
Acontece que é muito difícil ter confiança em bancos sombra, bancos maus e bancos zombie. Como é possível manter a confiança num sistema tão complexo, tão opaco, onde os conflitos de interesses são evidentes, mas as perdas nunca se devem à responsabilidade de alguém, apenas a falhas do sistema? Como confiar num “amigo de confiança” que nos trai a todo o momento, fazendo desaparecer as nossas poupanças ou o nosso investimento?
Falamos de bancos sombra, quando designamos os bancos de investimento, como o Goldman Sachs, o J. P. Morgan ou, entre nós, o Haitong. São estes, hoje em dia, o coração, o cérebro e, ao mesmo tempo, o grande refúgio do sistema bancário ao refinanciarem a maior parte dos ativos todas a noites. Recebem depósitos de grandes investidores privados e institucionais que, com receio dos eventuais riscos de perdas na banca comercial ou de retalho, aí colocam enormes quantias de ativos líquidos em busca de abrigo. Também as instituições financeiras, como outros bancos, fundos de investimento, fundos de pensões, companhias de seguros, etc., recorrem a este expediente. O processo é simples. Transferem, por um curto período, a sua liquidez com garantias e a possibilidade de reembolso. Por sua a vez, os bancos sombra usam essa liquidez alheia no mercado ganhando o valor da arbitragem e as respetivas comissões. Tudo isto, na sombra do sistema normal usado pelo comum dos mortais. Se isto não é do domínio do oculto, da magia…
E se os bancos sombra funcionam como uma verdadeira barriga de aluguer do sistema financeiro, os bancos maus são o tapete onde se esconde o lixo do mesmo sistema. Na verdade, quando os bancos têm ativos cujo valor de mercado os torna tecnicamente insolventes, nada melhor do que criarem um novo banco onde possam parquear esses ativos fortemente desvalorizados (tóxicos) e, assim, ganhar tempo para os poder vir a recuperá-los com uma potencial melhoria do mercado ou sector respetivo. Isto é, o lado mau do banco bom passa para debaixo do seu tapete (banco mau), prosseguindo este com a casa arrumada e asseada até à próxima desgraça. Uma boa invenção. O problema está na repetição do fenómeno e na ausência de verdadeira liquidez não pública para fazer continuar o modelo (como se vê agora em Itália, ou infelizmente também em Portugal).
Pois bem, com bancos sombra e bancos maus, parecia que o sistema já tinha encontrado a sua válvula de escape e desse modo conseguiria garantir os padrões de normalidade necessários à restauração da tão desejada confiança. Mas não ficámos por aqui.
Eis que se fala insistentemente em bancos zombie, qual maldição de mortos vivos do agrado de tantos cinéfilos. Agora a conversa é acerca de bancos que, sendo aparentemente solventes e com alguma liquidez, não conseguem ser rentáveis, ter património líquido acima de zero e, consequentemente, já deviam ter deixado o mundo dos vivos, ou dito de outro modo, deixar de andar aí a penar com o risco de infetar todo o sistema.
O pior é que, com a forte redução das taxas de juro por parte do BCE, da Reserva Federal ou mesmo dos bancos centrais da China, Japão ou Reino Unido e com a estagnação secular da economia mundial que lhe está associada, corremos o risco de na Europa só termos bancos zombie, arcando os Estados e, consequentemente, os cidadãos com os custos da sua recapitalização.
Que triste sina. Que trágico destino nos guia e acompanha ao caminharmos na rua da nossa existência. Já não bastavam as inquietações com o retorno dos nacionalismos e a sua potencial ameaça à liberdade, agora ainda corremos o risco de ver as nossas vidas destruídas, contaminadas, por bancos zombie. Está em causa o nosso futuro. Convirá alguém explicar-nos o que se passa. Sem mistérios, sem sombras, já agora, sem maus ou mortos vivos… e antes que chegue o inverno…
Professor universitário